terça-feira, 25 de novembro de 2025

IMITAÇÃO DE CRISTO

 A Imitação de Cristo - Tomás de Kempis 

 



LIVRO PRIMEIRO 

AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL 

CAPÍTULO 1 

Da imitação de Cristo e desprezo de todas as vaidades do mundo 

1. Quem me segue não anda nas trevas, diz o Senhor (Jo 8,12). 

São estas as palavras de Cristo, pelas quais somos advertidos 

que imitemos sua vida e seus costumes, se verdadeiramente 

queremos ser iluminados e livres de toda cegueira de coração. 

Seja, pois, o nosso principal empenho meditar sobre a vida de 

Jesus Cristo. 

2. A doutrina de Cristo é mais excelente que a de todos os 

santos, e quem tiver seu espírito encontrará nela um maná 

escondido. Sucede, porém, que muitos, embora ouçam 

frequentemente o Evangelho, sentem nele pouco enlevo: é que 

não possuem o espírito de Cristo. Quem quiser compreender e 

saborear plenamente as palavras de Cristo é-lhe preciso que 

procure conformar à dele toda a sua vida. 

3. Que te aproveita discutires sabiamente sobre a SS. Trindade, 

se não és humilde, desagradando, assim, a essa mesma 

Trindade? Na verdade, não são palavras elevadas que fazem o 

homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a 

Deus. Prefiro sentir a contrição dentro de minha alma, a saber 

defini-la. Se soubesses de cor toda a Bíblia e as sentenças de 

todos os filósofos, de que te serviria tudo isso sem a caridade e 

a graça de Deus? Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade (Ecle 

1,2), senão amar a Deus e só a ele servir. A suprema sabedoria 

é esta: pelo desprezo do mundo tender ao reino dos céus. 

4. Vaidade é, pois, buscar riquezas perecedoras e confiar nelas. 

Vaidade é também ambicionar honras e desejar posição 

elevada. Vaidade, seguir os apetites da carne e desejar aquilo 

pelo que, depois, serás gravemente castigado. Vaidade, desejar 

longa vida e, entretanto, descuidar-se de que seja boa. 

Vaidade, só atender à vida presente sem providenciar para a 

futura. Vaidade, amar o que passa tão rapidamente, e não 

buscar, pressuroso, a felicidade que sempre dura.

5. Lembra-te a miúdo do provérbio: Os olhos não se fartam de

ver, nem os ouvidos de ouvir (Ecle 1,8). Portanto, procura

desapegar teu coração do amor às coisas visíveis e afeiçoá-lo

às invisíveis: pois aqueles que satisfazem seus apetites

sensuais mancham a consciência e perdem a graça de Deus.

CAPITULO 2

Do humilde sentir de si mesmo

1. Todo homem tem desejo natural de saber; mas que aproveitará a

ciência, sem o temor de Deus? Melhor é, por certo,

o humilde camponês que serve a Deus, do que o filósofo soberbo

que observa o curso dos astros, mas se descuida de si mesmo.

Aquele que se conhece bem se despreza e não se compraz em

humanos louvores. Se eu soubesse quanto há no mundo, porém me

faltasse a caridade, de que me serviria isso perante Deus, que me há

de julgar segundo minhas obras?

1. Renuncia ao desordenado desejo de saber, porque nele há

muita distração e ilusão. Os letrados gostam de ser vistos e

tidos por sábios. Muitas coisas há cujo conhecimento pouco

ou nada aproveita à alma. E mui insensato é quem de outras

coisas se ocupa e não das que tocam à sua salvação. As

muitas palavras não satisfazem à alma, mas uma palavra boa

refrigera o espírito e uma consciência pura inspira grande

confiança em Deus.

2. Quanto mais e melhor souberes, tanto mais rigorosamente

serás julgado, se com isso não viveres mais santamente. Não

te desvaneças, pois, com qualquer arte ou conhecimento que

recebeste. Se te parece que sabes e entendes bem muitas

coisas, lembra-te que é muito mais o que ignoras. Não te

presumas de alta sabedoria (Rom 11,20); antes, confessa a tua

ignorância. Como tu queres a alguém te preferir, quando se

acham muitos mais doutos do que tu e mais versados na lei?

Se queres saber e aprender coisa útil, deseja ser desconhecido

e tido por nada.

3. Não há melhor e mais útil estudo que se conhecer

perfeitamente e desprezar-se a si mesmo. Ter-se por nada e

pensar sempre bem e favoravelmente dos outros, prova é de

grande sabedoria e perfeição. Ainda quando vejas alguém

pecar publicamente ou cometer faltas graves, nem por isso te

deves julgar melhor, pois não sabes quanto tempo poderás perseverar no bem. Nós todos somos fracos, mas a ninguém deves considerar mais fraco que a ti mesmo.


CAPITULO 3 

Dos ensinamentos da verdade 

1. Bem-aventurado aquele a quem a verdade por si mesma 

ensina, não por figuras e vozes que passam, mas como em si é. 

Nossa opinião e nossos juízos muitas vezes nos enganam e 

pouco alcançam. De que serve a sutil especulação sobre 

questões misteriosas e obscuras, de cuja ignorância não 

seremos julgados? Grande loucura é descurarmos as coisas 

úteis e necessárias, entregando-nos, com avidez, às curiosas e 

nocivas. Temos olhos para não ver (Sl 113,13). 

2. Que se nos dá dos gêneros e das espécies dos filósofos? Aquele 

a quem fala o Verbo eterno se desembaraça de muitas 

questões. Desse Verbo único procedem todas as coisas e todas 

o proclamam e esse é o princípio que também nos fala (Jo 

8,25). Sem ele não há entendimento nem reto juízo. Quem 

acha tudo neste Único, e tudo a ele refere e nele tudo vê, 

poderá ter o coração firme e permanecer em paz com Deus. Ó 

Deus de verdade, fazei-me um convosco na eterna caridade! 

Enfastia-me, muita vez, ler e ouvir tantas coisas; pois em vós 

acho tudo quanto quero e desejo. Calemse todos os doutores, 

emudeçam todas as criaturas em vossa presença; falai-me vós 

só. 

3. Quanto mais recolhido for cada um e mais simples de coração, 

tanto mais sublimes coisas entenderá sem esforço, porque do 

alto recebe a luz da inteligência. O espírito puro, singelo e 

constante não se distrai no meio de múltiplas ocupações 

porque faz tudo para honra de Deus, sem buscar em coisa 

alguma o seu próprio interesse. Que mais te impede e perturba 

do que os afetos imortificados do teu coração? O homem bom e 

piedoso ordena primeiro no seu interior as obras exteriores; 

nem estas o arrasam aos impulsos de alguma inclinação 

viciosa, senão que as submete ao arbítrio da reta razão. Que 

mais rude combate haverá do que procurar vencer-se a si 

mesmo? E este deveria ser nosso empenho: vencermo-nos a nós mesmos, tornarmo-nos cada dia mais fortes e progredirmos no bem. 

4. Toda a perfeição, nesta vida, é mesclada de alguma 

imperfeição, e todas as nossas luzes são misturadas de sombras. O humilde conhecimento de ti mesmo é caminho 

mais certo para Deus que as profundas pesquisas da ciência.

Não é reprovável a ciência ou qualquer outro conhecimento

das coisas, pois é boa em si e ordenada por Deus; sempre,

porém, devemos preferir-lhe a boa consciência e a vida

virtuosa. Muitos, porém, estudam mais para saber, que para

bem viver; por isso erram a miúdo e pouco ou nenhum fruto

colhem.

5. Ah! Se se empregasse tanta diligência em extirpar vícios e

implantar virtudes como em ventilar questões, não haveria

tantos males e escândalos no povo, nem tanta relaxação nos

claustros. De certo, no dia do juízo não se nos perguntará o

que lemos, mas o que fizemos; nem quão bem temos falado,

mas quão honestamente temos vivido. Dize-me: onde estão

agora todos aqueles senhores e mestres que bem conheceste,

quando viviam e floresciam nas escolas? Já outros possuem

suas prebendas, e nem sei se porventura deles se lembram.

Em vida pareciam valer alguma coisa, e hoje ninguém deles

fala.

6. Oh! Como passa depressa a glória do mundo! Oxalá a sua vida

tenha correspondido à sua ciência; porque, destarte, terão lido

e estudado com fruto. Quantos, neste mundo, descuidados do

serviço de Deus, se perdem por uma ciência vã! E porque

antes querem ser grandes que humildes, se esvaecem em seus

pensamentos (Rom 1,21). Verdadeiramente grande é aquele

que a seus olhos é pequeno e avalia em nada as maiores

honras. Verdadeiramente prudente é quem considera como

lodo tudo o que é terreno, para ganhar a Cristo (Flp 3,8). E

verdadeiramente sábio aquele que faz a vontade de Deus e renuncia a própria vontade.

CAPÍTULO 4

Da prudência nas ações

1. Não se há de dar crédito a toda palavra nem a qualquer

impressão, mas cautelosa e naturalmente se deve, diante de

Deus, ponderar as coisas. Mas, ai! Que mais facilmente

acreditamos e dizemos dos outros o mal que o bem, tal é a

nossa fraqueza. As almas perfeitas, porém, não crêem

levianamente em qualquer coisa que se lhes conta, pois

conhecem a fraqueza humana inclinada ao mal e fácil de pecar

por palavras.

2. Grande sabedoria é não ser precipitado nas ações, nem aferrado obstinadamente à sua própria opinião; sabedoria é também não acreditar em tudo que nos dizem, nem comunicar 

logo a outros o que ouvimos ou suspeitamos. Toma conselho 

com um varão sábio e consciencioso, e procura antes ser 

instruído por outrem, melhor que tu, que seguir teu próprio 

parecer. A vida virtuosa faz o homem sábio diante de Deus e 

entendido em muitas coisas. Quanto mais humilde for cada 

um em si e mais sujeito a Deus, tanto mais prudente será e 

calmo em tudo. 

CAPÍTULO 5 

Da leitura das Sagradas Escrituras 

1. Nas Sagradas Escrituras devemos buscar a verdade, e não a 

eloquência. Todo livro sagrado deve ser lido com o mesmo 

espírito que o ditou. Nas Escrituras devemos antes buscar 

nosso proveito que a sutileza da linguagem. Tão grata nos deve 

ser a leitura dos livros simples e piedosos, como a dos 

sublimes e profundos. Não te mova a autoridade do escritor, se 

é ou não de grandes conhecimentos literários; ao contrário, lê 

com puro amor a verdade. Não procures saber quem o disse; 

mas considera o que se diz. 

2. Os homens passam, mas a verdade do Senhor permanece 

eternamente (Sl 116,2). De vários modos nos fala Deus, sem 

acepção de pessoa. A nossa curiosidade nos embaraça, muitas 

vezes, na leitura das Escrituras; porque queremos 

compreender e discutir o que se devia passar singelamente. Se 

queres tirar proveito, lê com humildade, simplicidade e fé, sem 

cuidar jamais do renome de letrado. Pergunta de boa vontade e 

ouve calado as palavras dos santos; nem te desagradem as 

sentenças dos velhos, porque eles não falam sem razão. 

CAPÍTULO 6 

Das afeições desordenadas 

1. Todas as vezes que o homem deseja alguma coisa 

desordenadamente, torna-se logo inquieto. O soberbo e o 

avarento nunca sossegam; entretanto, o pobre e o humilde de 

espírito vivem em muita paz. O homem que não é 

perfeitamente mortificado facilmente é tentado e vencido, até 

em coisas pequenas e insignificantes. O homem espiritual, 

ainda um tanto carnal e propenso à sensualidade, só a muito 

custo poderá desprender-se de todos os desejos terrenos. Daí a sua freqüente tristeza, quando deles se abstém, e fácil 

irritação, quando alguém o contraria. 

2. Se, porém, alcança o que desejava, sente logo o remorso da 

consciência, porque obedeceu à sua paixão, que nada vale 

para alcançar a paz que almejava. Em resistir, pois, às 

paixões, se acha a verdadeira paz do coração, e não em segui-

las. Não há, portanto, paz no coração do homem carnal, nem 

no do homem entregue às coisas exteriores, mas somente no 

daquele que é fervoroso e espiritual. 

CAPÍTULO 7 

Como se deve fugir à vã esperança e presunção 

1. Insensato é quem põe sua esperança nos homens ou nas 

criaturas. Nào te envergonhes de servir a outrem por Jesus 

Cristo, e ser tido como pobre neste mundo. Não confies em ti 

mesmo, mas põe em Deus tua esperança. Faze de tua parte o 

que puderes, e Deus ajudará tua boa vontade. Não confies em 

tua ciência, nem na sagacidade de qualquer vivente, mas antes 

na graça de Deus, que ajuda os humildes e abate os 

presunçosos. 

2. Se tens riquezas, não te glories delas, nem dos amigos, por 

serem poderosos, senão em Deus, que dá tudo, além de tudo, 

deseja dar-se a si mesmo. Não te desvaneças com a airosidade 

ou formosura de teu corpo, que com pequena enfermidade se 

quebranta e desfigura. Não te orgulhes de tua habilidade ou de 

teu talento, para que não desagrades a Deus, de quem é todo 

bem natural que tiveres. 

3. Não te reputes melhor que os outros para não seres 

considerado pior por Deus, que conhece tudo que há no 

homem. Não te ensoberbeças pelas boas obras, porque os 

juízos dos homens são muito diferentes dos de Deus, a quem 

não raro desagrada o que aos homens apraz. Se em ti houver 

algum bem, pensa que ainda melhores são os outros, para 

assim te conservares na humildade. Nenhum mal te fará se te 

julgares inferior a todos; muito, porém, se a qualquer pessoa 

te preferires. De contínua paz goza o humilde; no coração do 

soberbo, porém, reinam inveja e iras sem conta. 

 CAPÍTULO 8 

 Como se deve evitar a excessiva familiaridade 

1. Não abras teu coração a qualquer homem (Eclo 8,22); mas

trata de teus negócios com o sábio e temente a Deus. Com

moços e estranhos conversa pouco. Não lisonjeies os ricos,

nem busques aparecer muito na presença dos potentados.

Busca a companhia dos humildes e simples, dos devotos e

morigerados, e trata com eles de assuntos edificantes. Não

tenhas familiaridade com mulher alguma; mas, em geral,

encomenda a Deus todas as que são virtuosas. Procura

intimidade com Deus apenas, e seus anjos, e foge de seres

conhecidos dos homens.

2. Caridade se deve ter para com todos; mas não convém ter com

todos a familiaridade. Sucede, freqüentemente, gozar de boa

reputação pessoa desconhecida que, na sua presença,

desagrada aos olhos dos que a vêem. Julgamos, às vezes,

agradar aos outros com a nossa intimidade, mas antes os

aborrecemos com os defeitos que em nós vão descobrindo.

CAPÍTULO 9

Da obediência e submissão

1. Grande coisa é viver na obediência, sob a direção de um

superior, e não dispor da própria vontade. Muito mais seguro é

obedecer que mandar. Muitos obedecem mais por necessidade

que por amor: por isso sofrem e facilmente murmuram. Esses

não alcançarão a liberdade de espírito, enquanto não se

sujeitarem de todo o coração, por amor de Deus. Anda por

onde quiseres: não acharás descanso senão na humilde

sujeição e obediência ao superior. A imaginação dos lugares e

mudanças a muitos tem iludido.

2. Verdade é que cada um gosta de seguir seu próprio parecer e

mais se inclina àqueles que participam da sua opinião.

Entretanto, se Deus está conosco, cumpre-nos, às vezes,

renunciar ao nosso parecer por amor da paz. Quem é tão sábio

que possa saber tudo completamente? Não confies, pois,

demasiadamente em teu próprio juízo; mas atende também, de

boa mente, ao dos demais. Se o teu parecer for bom e o

deixares, por amor de Deus, para seguires o de outrem, muito

lucrarás com isso.

3. Com efeito, muitas vezes ouvi falar que é mais seguro ouvir e

tomar conselho que dá-lo. É bem possível que seja acertado o

parecer de cada um: mas não querer ceder aos outros, quando

a razão ou as circunstâncias o pedem, é sinal de soberba e obstinação.

CAPÍTULO 10

Como se devem evitar as conversas supérfluas

1. Evita, quanto puderes, o bulício dos homens, porque muito

nos perturbam os negócios mundanos ainda quando tratados

com reta intenção; pois bem depressa somos manchados e

cativos da vaidade. Quisera eu ter calado muitas vezes e não

ter conversado com os homens. Por que razão, porém, nos

atraem falas e conversas, se raras vezes voltamos ao silêncio

sem dano da consciência? Gostamos tanto de falar, porque

pretendemos, com essas conversações, ser consolados uns

pelos outros e desejamos aliviar o coração fatigado por

preocupações diversas. E ordinariamente sentimos prazer em

falar e pensar, ora nas coisas que muito amamos e desejamos,

ora nas que nos contrariam.

2. Mas ai! Muitas vezes é em vão e sem proveito, pois essa

consolação exterior é muito prejudicial à consolação interior e

divina. Cumpre, portanto, vigiar e orar, para que não passe o

tempo ociosamente. Se for lícito e oportuno falar, seja de

coisas edificantes. O mau costume e o descuido do nosso

progresso espiritual concorrem muito para o desenfreamento

de nossa língua. Ajudam muito, porém, ao aproveitamento

espiritual os devotos colóquios sobre coisas espirituais,

mormente quando se associam em Deus pessoas que pensam

e sentem do mesmo modo.

CAPÍTULO 11

Da paz e do zelo em aproveitar

1. Muita paz podíamos gozar, se não nos quiséssemos ocupar

com os ditos e fatos alheios que não pertencem ao nosso

cuidado. Como pode ficar em paz por muito tempo aquele que

se intromete em negócios alheios, que busca relações

exteriores, que raras vezes e mal se recolhe interiormente?

Bem-aventurados os simples, porque hão de ter muita paz!

1. Por que muitos santos foram tão perfeitos e

contemplativos? É que eles procuraram mortificar-se

inteiramente em

2. todos os desejos terrenos, e assim puderam, no íntimo de

seu coração, unir-se a Deus e atender livremente a si

mesmos. Nós, porém, nos ocupamos demasiadamente

das próprias paixões e cuidados com excesso das coisas transitórias. Raro é vencermos sequer um vício 

perfeitamente; não nos inflamamos no desejo de 

progredir cada dia; daí a frieza e tibieza em que ficamos. 

2. Se estivéssemos perfeitamente mortos a nós mesmos e 

interiormente desimpedidos, poderíamos criar gosto pelas 

coisas divinas e algo experimentar das doçuras da celeste 

contemplação. O que principalmente e mais nos impede é o 

não estarmos ainda livres das nossas paixões e 

concupiscências, nem nos esforçamos por trilhar o caminho 

perfeito dos santos. Basta pequeno contratempo para 

desalentarmos completamente e voltarmos a procurar 

consolações humanas. 

3. Se nos esforçássemos por ficar firmes no combate, como 

soldados valentes, por certo veríamos descer sobre nós o 

socorro de Deus. Pois ele está sempre pronto a auxiliar os 

combatentes confiados em sua graça: Aquele que nos 

proporciona ocasiões de peleja para que logremos a vitória. Se 

fizermos consistir nosso aproveitamento espiritual tãosomente 

nas observâncias exteriores, nossa devoção será de curta 

duração. Metamos, pois, o machado à raiz, para que, livre das 

paixões, goze paz nossa alma. 

4. Se cada ano extirpássemos um só vício em breve seríamos 

perfeitos. Mas agora, pelo contrário, muitas vezes 

experimentamos que éramos melhores, e nossa vida mais 

pura, no princípio da nossa conversão que depois de muitos 

anos de profissão. O nosso fervor e aproveitamento deveriam 

crescer, cada dia; mas, agora, considera-se grande coisa poder 

alguém conservar parte do primitivo fervor. Se no princípio 

fizéramos algum esforço, tudo poderíamos, em seguida, fazer 

com facilidade e gosto. 

5. Custoso é deixar nossos costumes; mais custoso, porém, 

contrariar a própria vontade. Mas, se não vences obstáculos 

pequenos e leves, como triunfarás dos maiores? Resiste no 

princípio à tua inclinação e rompe com o mau costume, para 

que te não metas pouco a pouco em maiores dificuldades. Oh! 

Se bem considerasses quanta paz gozarias e quanto prazer 

darias aos outros, se vivesses bem, de certo cuidarias mais do 

teu adiantamento espiritual. 


CAPÍTULO 12 

Da utilidade das adversidades 1. Bom é passarmos algumas vezes por aflições e contrariedades, 

porque freqüentemente fazem o homem refletir, lembrando-lhe 

que vive no desterro e, portanto, não deve pôr sua esperança 

em coisas alguma do mundo. Bom é econtrarmos às vezes 

contradições, e que de nós façam conceito mau ou pouco 

favorável, ainda quando nossas obras e intenções sejam boas. 

Isto ordinariamente nos conduz à humildade e nos preserva da 

vanglória. Porque, então, mais depressa recorremos ao 

testemunho interior de Deus, quando de fora somos 

vilipendiados e desacreditados pelos homens. 

2. Por isso, devia o homem firmar-se de tal modo em Deus, que 

lhe não fosse mais necessário mendigar consolações às 

criaturas. Assim que o homem de boa vontade está atribulado 

ou tentado, ou molestado por maus pensamentos, sente logo 

melhor a necessidade que tem de Deus, sem o qual não pode 

fazer bem algum. Então se entristece, geme e chora pelas 

misérias que padece. Então causa-lhe tédio viver mais tempo, 

e deseja que venha a morte livrá-lo do corpo e unilo a Cristo. 

Então compreende também que neste mundo não pode haver 

perfeita segurança nem paz completa. 

CAPÍTULO 13 

Como se há de resistir às tentações 

1. Enquanto vivemos neste mundo, não podemos estar sem 

trabalhos e tentações. Por isso lemos no livro de Jó (7,1): É um 

combate a vida do homem sobre a terra. Cada qual, pois, deve 

estar acautelado contra as tentações, mediante a vigilância e a 

oração, para não dar azo às ilusões do demônio, que nunca 

dorme, mas anda por toda parte em busca de quem possa 

devorar (1 Pdr 5,8) . Ninguém há tão perfeito e santo, que não 

tenha, às vezes, tentações, e não podemos ser delas totalmente 

isentos. 

2. São, todavia, utilíssimas ao homem as tentações, posto que 

sejam molestas e graves, porque nos humilham, purificam e 

instruem. Todos os santos passaram por muitas tribulações e 

tentações, e com elas aproveitaram; aqueles, porém, que não 

as puderam suportar foram reprovados e pereceram. Não há 

Ordem tão santa nem lugar tão retirado, em que não haja 

tentações e adversidades. 

3. Nenhum homem está totalmente livre das tentações, enquanto 

vive, porque em nós mesmos está a causa donde procedem: a 

concupiscência em que nascemos. Mal acaba uma tentação ou tribulação, outra sobrevém, e sempre teremos que sofrer, 

porque perdemos o dom da primitiva felicidade. Muitos 

procuram fugir às tentações, e outras piores encontram. Não 

basta a fuga para vencê-las; é pela paciência e verdadeira 

humildade que nos tornamos mais fortes que todos os nossos 

inimigos. 

4. Pouco adianta quem somente evita as ocasiões exteriores, sem 

arrancar as raízes; antes lhe voltarão mais depressa as 

tentações, e se achará pior. Vencê-las-á melhor com o auxílio 

de Deus, a pouco e pouco com paciência e resignação, que 

com importuna violência e esforço próprio. Toma a miúdo 

conselho na tentação e não sejas desabrido e áspero para 

o que é tentado, trata antes de o consolar, como desejas ser 

consolado. 

1. O princípio de todas a más tentações é a inconstância do 

espírito e a pouca confiança em Deus; pois, assim como as 

ondas lançam de uma parte a outra o navio sem leme, assim 

as tentações combatem o homem descuidado e inconstante em 

seus propósitos. O ferro é provado pelo fogo, e o justo pela 

tentação. Ignoramos muitas vezes o que podemos, mas a 

tentação manifesta o que somos. Todavia, devemos vigiar, 

principalmente no princípio da tentação; porque mais fácil nos 

será vencer o inimigo, quando não o deixarmos entrar na 

alma, enfrentando-o logo que bater no limiar. Por isso disse 

alguém: Resiste desde o princípio, que vem tarde o remédio, 

quando cresceu o mal com a muita demora (Ovídio). Porque 

primeiro ocorre à mente um simples pensamento, donde nasce 

a importuna imaginação, depois o deleite, o movimento; e 

assim, pouco a pouco, entra de todo na alma o malvado 

inimigo. E quanto mais alguém for indolente em lhe resistir, 

tanto mais fraco se tornará cada dia, e mais forte o seu 

adversário. 

2. Uns padecem maiores tentações no começo de sua conversão, 

outros, no fim; outros por quase toda a vida são molestados 

por elas. Alguns são tentados levemente, segundo a sabedoria 

da divina Providência, que pondera as circunstâncias e o 

merecimento dos homens, e tudo predispõe para a salvação de 

seus eleitos. 

3. Por isso não devemos desesperar, quando somos tentados; 

mas até, com maior fervor, pedir a Deus que se digne ajudar-nos em toda provação, pois que, no dizer de S. Paulo, nos dará 

graça suficiente na tentação para que a possamos vencer (1Cor 10,13). Humilhemos, portanto, nossas almas, debaixo da

mão de Deus, em qualquer tentação e tribulação porque ele há

de salvar e engrandecer os que são humildes de coração.

4. Nas tentações e adversidades se vê quanto cada um tem

aproveitado; nelas consiste o maior merecimento e se patenteia

melhor a virtude. Não é lá grande coisa ser o homem devoto e

fervoroso quando tudo lhe corre bem; mas, se no tempo da

adversidade conserva a paciência, pode-se esperar grande

progresso. Alguns há que vencem as grandes tentações e, nas

pequenas, caem freqüentemente, para que, humilhados, não

presumam de si grandes coisas, visto que com tão pequenas sucumbem.

CAPÍTULO 1

Como se deve evitar o juízo temerário

1. Relanceia sobre ti o olhar e guarda-te de julgar as ações

alheias. Quem julga os demais perde o trabalho, quase sempre

se engana e facilmente peca; mas, examinando-se e julgando-

se a si mesmo, trabalha sempre com proveito. De ordinário,

julgamos as coisas segundo a inclinação do nosso coração,

pois o amor-próprio facilmente nos altera a retidão do juízo. Se

Deus fora sempre o único objetivo dos nossos desejos, não nos

perturbaria tão facilmente qualquer oposição ao nosso parecer.

2. Muitas vezes existe, dentro ou fora de nós, alguma coisa que

nos atrai e em nós influi. Muitos buscam secretamente a si

mesmos em suas ações, e não o percebem. Parecem até gozar

de boa paz, enquanto as coisas correm à medida de seus

desejos; mas, se de outra sorte sucede, logo se inquietam e

entristecem. Da discrepância de pareceres e opiniões

freqüentemente nascem discórdias entre amigos e vizinhos,

entre religiosos e pessoas piedosas.

3. É custoso perder um costume inveterado, e ninguém renuncia,

de boa mente, a seu modo de ver. Se mais confias em tua

razão e talento que na graça de Jesus Cristo, só raras vezes e

tarde serás iluminado; pois Deus quer que nos sujeitemos

perfeitamente a ele e que nos elevemos acima de toda razão humana, inflamados do seu amor.

CAPÍTULO 15

Das obras feitas com caridade 1. Por nenhuma coisa do mundo, nem por amor de pessoa 

alguma, se deve praticar qualquer mal; mas, em prol de algum 

necessitado, pode-se, às vezes, omitir uma boa obra, ou trocá-

la por outra melhor. Desta sorte, a boa obra não se perde, mas 

se converte em outra melhor. Sem a caridade, nada vale a obra 

exterior; tudo, porém, que da caridade procede, por 

insignificante e desprezível que seja, produz abundantes 

frutos, porque Deus não atende tanto à obra, como à intenção 

com que a fazemos. 

2. Muito faz aquele que muito ama. Muito faz quem bem faz o 

que faz. Bem faz quem serve mais ao bem comum que à sua 

própria vontade. Muitas vezes parece caridade o que é mero 

amor-próprio, porque raras vezes nos deixa a inclinação 

natural, a própria vontade, a esperança da recompensa, o 

nosso interesse. 

3. Aquele que tem verdadeira e perfeita caridade em nada se 

busca a si mesmo, mas deseja que tudo se faça para a glória 

de Deus. De ninguém tem inveja, porque não deseja proveito 

algum pessoal, nem busca sua felicidade em si, mas procura 

sobre todas as coisas ter alegria e felicidade em Deus. Não 

atribui bem algum à criatura, mas refere tudo a Deus, como à 

fonte de que tudo procede, e em que, como em fim último, 

acham todos os santos o deleitoso repousar. Oh! Quem tivera 

só uma centelha de verdadeira caridade logo compreenderia a 

vaidade de todas as coisas terrenas! 

CAPÍTULO 16 

Do sofrer os defeitos dos outros 

1. Aquilo que o homem não pode emendar em si mesmo ou nos 

demais, deve-o tolerar com paciência, até que Deus disponha 

de outro modo. Considera que talvez seja melhor assim, para 

provar tua paciência, sem a qual não têm grande valor nossos 

méritos. Todavia, convém, nesses embaraços, pedir a Deus que 

te auxilie, para que os possas levar com seriedade. 

2. Se alguém, com uma ou duas advertências, não se emendar, 

não contendas com ele; mas encomenda tudo a Deus para que 

seja feita a sua vontade, e seja ele honrado em todos os seus 

servos, pois sabe tirar bem do mal. Procura sofrer com 

paciência os defeitos e quaisquer imperfeições dos outros, pois 

tens também muitas que os outros têm de aturar. Se não te 

podes modificar como desejas, como pretendes ajeitar os 

outros à medida de teus desejos? Muito desejamos que os outros sejam perfeitos, e nem por isso emendamos as nossas 

faltas. 

3. Queremos que os outros sejam corrigidos com rigor, e nós não 

queremos ser repreendidos. Estranhamos a larga liberdade 

dos outros, e não queremos sofrer recusa alguma. Queremos 

que os outros sejam apertados por estatutos e não toleramos 

nenhum constrangimento que nos coíba. Donde claramente se 

vê quão raras vezes tratamos o próximo como a nós mesmos. 

Se todos fossem perfeitos, que teríamos então de sofrer nós 

mesmos por amor de Deus? 

4. Ora, Deus assim o dispôs para que aprendamos a carregar 

uns o fardo dos outros; porque ninguém há sem defeito; 

ninguém sem carga; ninguém com força e juízo bastante para 

si; mas cumpre que uns aos outros nos suportemos, 

consolemos, auxiliemos, instruamos e aconselhemos. Quanta 

virtude cada um possui, melhor se manifesta na ocasião da 

adversidade; pois as ocasiões não fazem o homem fraco, mas 

revelam o que ele é. 

CAPITULO 17 

Da vida monástica 

1. Aprende a abnegar-te em muitas coisas, se queres ter paz e 

concórdia com os outros. Não é pouco habitar em mosteiros ou 

congregações religiosas, viver ali sem queixas e perseverar 

fielmente até à morte. Bem-aventurado é aquele que aí vive 

bem e termina a vida com um fim abençoado! Se queres 

permanecer firme e fazer progressos, considera-te como 

desterrado e peregrino sobre a terra. Convém fazer-te louco 

por amor de Cristo, se queres seguir a vida religiosa. 

2. De pouca monta são o hábito e a tonsura: são a mudança dos 

costumes e a perfeita mortificação das paixões que fazem o 

verdadeiro religioso. Quem outra coisa procura senão a Deus 

só e a salvação de sua alma, só achará tribulações e 

angústias. Não pode ficar por muito tempo em paz quem não 

procura ser o menor e o mais submisso de todos. 

3. Para servir vieste, não para mandar; lembra-te que foste 

chamado para trabalhar e sofrer, e não para folgar e 

conversar. Aqui, pois, se provam os homens, à semelhança do 

ouro na fornalha. Aqui, ninguém perseverará, se não quiser 

humilhar-se, de todo o coração, por amor de Deus. 

CAPÍTULO 18 

Dos exemplos dos Santos Padres

1. Contempla os salutares exemplos dos Santos Padres, nos

quais brilhou a verdadeira perfeição religiosa, e verás quão

pouco ou quase nada é o que fazemos. Ah! Que é a nossa vida

em comparação com a deles? Os santos e amigos de Cristo

serviram ao Senhor em fome e sede, em frio e nudez, em

trabalho e fadiga, em vigílias e jejuns, em orações e santas

meditações, em perseguições e muitos opróbrios.

2. Oh! Quantas e quão graves tribulações sofreram os apóstolos,

os mártires, os confessores, as virgens e todos quantos

quiseram seguir as pisadas de Cristo! Odiaram suas almas

neste mundo, para possuí-las eternamente no outro. Oh! Que

vidas austeras e mortificadas levaram os Santos Padres no

deserto! Que contínuas e graves tentações suportaram!

Quantas vezes foram atormentados pelo inimigo! Quantas

orações fervorosas ofereceram a Deus! Que rigorosas

abstinências praticaram! Que zelo e fervor tiveram em seu

adiantamento espiritual! Que guerra fizeram para subjugar os

vícios! Com que pura e reta intenção buscaram a Deus!

Durante o dia trabalhavam e passavam as noites em orações

ainda que trabalhando não interrompessem um momento a

oração mental.

3. Todo o tempo era empregado utilmente; toda hora lhes parecia

breve convivida com Deus; e pela grande doçura das

contemplações se esqueciam até da necessária refeição do

corpo. Renunciavam a todas as riquezas, dignidades, honras,

amigos e parentes; nada queriam do mundo; apenas tomavam

o indispensável para a vida e só com pesar satisfaziam as

exigências da natureza. Assim eram pobres nos bens terrenos,

mas muito ricos de graças e virtudes. Exteriormente lhes

faltava tudo; interiormente, porém, se deliciavam com graças e

consolações divinas.

4. Ao mundo eram estranhos, mas íntimos e familiares amigos de

Deus. A si mesmos tinham em conta de nada, e o mundo os

desprezava; mas eram preciosos e queridos aos olhos de Deus.

Mantinham-se na verdadeira humildade, viviam em singela

obediência, andavam em caridade e paciência; assim cada dia

faziam progresso na vida espiritual e mais a Deus agradavam.

Esses foram dados por modelos a todos os religiosos, e mais

nos devem estimular ao progresso espiritual, do que a

multidão dos tíbios ao esmorecimento.

5. Oh! Quanto foi o fervor de todos os religiosos, nos primeiros

tempos de seus santos institutos! Quanta piedade na oração!

Que emulação nas virtudes! Que austera disciplina vigorava

então! Que respeito e obediência aos preceitos do superior

reluzia em todos! Os vestígios que deixaram ainda atestam que

foram verdadeiramente varões santos e perfeitos os que em tão

renhidos combates venceram o mundo. Hoje já se considera

grande quem não é transgressor da regra e com paciência

suporta o jugo que se impôs.

6. Ó tibieza e desleixo do nosso estado, que tão depressa

declinamos do fervor primitivo, e já nos causa tédio o viver, por

tanta negligência e frouxidão! Oxalá em ti não entorpeça de

todo o desejo de progredir nas virtudes, já que tantos modelos

viste de perfeição!

CAPÍTULO 19

Dos exercícios do bom religioso

1. A vida do bom religioso deve ser ornada de todas as virtudes,

para que corresponda o interior ao que por fora vêem os

homens; e com razão, ainda mais perfeito deve ser no interior

do que por fora parece, pois lá penetra o olhar perscrutador de

Deus, a quem devemos suma reverência, em qualquer lugar

onde estivermos, e em cuja presença devemos andar com

pureza Angélica. Cada dia devemos renovar nosso propósito e

exercitar-nos a maior fervor, como se esse fosse o primeiro dia

de nossa conversão, dizendo: Confortai-me, Senhor, meu

Deus, no bom propósito e em vosso santo serviço; concedei-me

começar hoje deveras, pois nada é o que até aqui tenho feito.

2. A medida da nossa resolução será nosso progresso, e grande

solicitude exige o sério aproveitamento. Se aquele que toma

enérgicas resoluções tantas vezes cai, que será daquele que as

toma raramente ou menos firmemente propõe? Sucede, porém,

de vários modos deixarmos o nosso propósito; e raras vezes

passa sem dano qualquer leve omissão de nossos exercícios. O

propósito dos justos mais se firma na graça de Deus, que em

sua própria sabedoria; nela confiam sempre, em qualquer

empreendimento. Porque o homem propõe, mas Deus dispõe, e

não está na mão do homem o seu caminho (Jer 10,23).

1. Quando, por motivo de piedade ou proveito do próximo,

se deixa alguma vez o costumado exercício, fácil é

reparar

2. depois essa falta; omiti-lo, porém, facilmente, por enfado

ou negligência, já é bastante culpável, e sentir-se-á o

prejuízo. Esforcemo-nos quanto pudermos, ainda assim cairemos em muitas faltas; contudo, devemos sempre

fazer um propósito determinado, mormente contra os

principais obstáculos do nosso progresso espiritual.

Devemos examinar e ordenar tanto o interior como o

exterior, porque ambos importam ao nosso

aproveitamento.

3. Se não podes continuamente estar recolhido, recolhe-te de vez

em quando, ao menos uma vez por dia, pela manhã ou à noite.

De manhã toma resoluções, e à noite examina tuas ações:

como te houveste hoje em palavras, obras e pensamentos,

porque nisso, talvez não raro, tenhas ofendido a Deus e ao

próximo. Arma-te varonilmente contra as maldades do

demônio; refreia a gula, e facilmente refrearás todo apetite

carnal. Nunca estejas de todo desocupado, mas lê ou escreve

ou reza ou medita ou faze alguma coisa de proveito comum.

Nos exercícios corporais, porém, haja toda discrição, porque

não convém igualmente a todos.

4. Os exercícios pessoais não se devem fazer publicamente, mais

seguro é praticá-los secretamente. Guarda-te de ser negligente

nos exercícios da regra, e mais diligente nos particulares; mas,

satisfeitas inteira e fielmente as coisas de obrigação e preceito,

se tempo sobrar, ocupa-te em exercícios, conforme te inspirar

a tua devoção. Nem todos podem ter o mesmo exercício; um

convém mais a este, outro àquele. Até do tempo depende a

conveniência e o atrativo das práticas; porque umas são mais

apropriadas para os dias festivos, outras para os dias comuns;

dumas precisamos para o tempo da tentação, de outras no

tempo de paz e sossego. Numas coisas gostamos de meditar

quando estamos tristes, e noutras quando estamos alegres no

Senhor.

5. À volta das festas principais devemos renovar os nossos bons

exercícios e com mais fervor implorar a intercessão dos santos.

De uma para outra festividade devemos preparar-nos, como se

então houvéssemos de sair deste mundo e chegar à festividade

eterna. Por isso, devemos aparelhar-nos diligentemente, nos

tempos de devoção, com vida mais piedosa e observância mais

fiel de todas as regras, como se houvéssemos de receber em

breve o galardão do nosso trabalho.

6. E, se for adiada essa hora, tenhamos por certo que não

estamos ainda bem preparados nem dignos de tamanha glória

que, a seu tempo, se revelará em nós, e tratemos de nos

preparar para a morte. Bem-aventurado o servo. Diz o

evangelista São Lucas, a quem o Senhor, quando vier, achar vigiando. Em verdade vos digo que o constituirá sobre todos os

seus bens (12, 37 e 43).

CAPÍTULO 20

Do amor à solidão e ao silêncio

1. Procura tempo oportuno para cuidar de ti e relembra a miúdo

os benefícios de Deus. Renuncia às curiosidades e escolhe

leituras tais, que mais sirvam para te compungir, que para te

distrair. Se te abstiveres de conversações supérfluas e passeios

ociosos, como também de ouvir novidades e boatos, acharás

tempo suficiente e adequado para te entregares a santas

meditações. Os maiores santos evitavam, quando podiam, a

companhia dos homens, preferindo viver com Deus, em retiro.

2. Disse alguém: "Sempre que estive entre os homens menos

homem voltei" (Sêneca, Epist. 7). Isso experimentamos muitas

vezes, quando falamos muito. Mas fácil é calar de todo, do que

não tropeçar em alguma palavra. Mas fácil é ficar oculto em

casa, que fora dela ter a necessária cautela. Quem, pois,

pretende chegar à vida interior e espiritual, importa-lhe que se

afaste da turba, com Jesus. Ninguém, sem perigo, se mostra

em público, senão quem gosta de esconder-se. Ninguém

seguramente fala, senão quem gosta de calar. Ninguém

seguramente manda, senão o que perfeitamente aprendeu a

obedecer.

3. Não pode haver alegria segura, sem o testemunho de boa

consciência. Contudo, a segurança dos santos estava sempre

misturada com o temor de Deus; nem eram menos cuidadosos

e humildes em si mesmos, porque resplandeciam em grandes

virtudes e graças. A segurança dos maus, porém, nasce da

soberba e presunção, e acaba por enganar-se a si mesma.

Nunca te dês por seguro nesta vida, ainda que pareças bom

religioso ou ermitão devoto.

1. Muitas vezes os melhores no conceito dos homens

correram graves perigos, por sua demasiada confiança.

Por isso, para muitos é melhor não serem de todo livres

de tentações, mas que sejam freqüentemente combatidos,

para que não confiem demadiadamente em si, nem se

exaltem com soberba, nem tampouco busquem com

ânsia as consolações exteriores. Oh! Quem nunca

buscasse alegria transitória, nem deste mundo cuidasse,

que consciência pura teria! Oh! Quem arredasse todo vão cuidado, para só cuidar das coisas salutares e divinas, 

pondo toda a sua confiança em Deus, 

2. de que grande paz e sossego gozaria! 

4. Ninguém é digno da consolação celestial, senão quem se 

excitar, com diligência, na santa compunção. Se queres 

compungir-te de coração, entra em teu quarto, despede todo o 

bulício do mundo, conforme está escrito: Compungi-vos em 

vossos cubículos (Sl 4,5). Na cela acharás o que fora dela 

muitas vezes perdes. A cela bem guardada causa doçura, e 

pouco freqüentada gera enfado. Se bem a guardares e 

habitares no princípio de tua conversão, ser-te-á depois 

querida companheira e suavíssimo consolo. 

5. No silêncio e sossego faz progressos uma alma devota e 

aprende os segredos das Escrituras. Ali ela acha a fonte de 

lágrimas, com que todas as noites se lava e purifica, para 

tanto mais de perto unir-se ao Criador quanto mais retirada 

viver do tumulto do mundo. Aquele, pois, que se aparta de 

seus amigos e conhecidos verão aproximar-se Deus com seus 

santos anjos. Melhor é estar solitário e tratar de sua alma, 

que, descurando-a, fazer milagres. Merece louvor o religioso 

que raro sai, que foge de ser visto pelos homens e nem procura 

vê-los. 

6. Para que queres ver o que não te é lícito possuir? Passa o 

mundo e a sua concupiscência (1Jo 2,17). A inclinação 

sensual convida a passeios; passada, porém, àquela hora, que 

nos fica senão consciência pesada e coração distraído? À saída 

alegre, muitas vezes sucede um regresso triste, e à véspera 

deleitosa uma triste manhã. Assim, todo gosto carnal entra 

suavemente; no fim, porém, remorde e mata. Que poderás ver 

alhures que aqui não vejas? Eis: aqui tens o céu, a terra e 

todos os elementos; e deles são feitas todas as coisas. 

7. Que poderás ver, em parte alguma, estável debaixo do sol por 

muito tempo? Pensas talvez te satisfazer completamente? Pois 

não o conseguirás. Se visses diante de ti todas as coisas, que 

seria senão vã fantasia? Levanta os olhos a Deus nas alturas e 

pede perdão de teus pecados e negligências. Deixa as vaidades 

para os fúteis; tu, porém, atende ao que Deus te manda. Fecha 

atrás de ti a porta e chama a teu Jesus amado. Fica-te com ele 

em tua cela, porque tanta paz em outra parte não acharás. Se 

não tivesses saído, e escutado os rumores do mundo, melhor 

terias conservado a santa paz; enquanto folgares de ouvir 

novidades, terás que sofrer desassossego do coração. 

CAPÍTULO 21

Da compunção do coração 

1. Se queres fazer algum progresso, conserva-te no temor de 

Deus e não busques demasiada liberdade; refreia, antes, todos 

os teus sentidos com a disciplina e não te entregues à vã 

alegria. Procura a compunção do coração e acharás a devoção. 

A compunção descobre tesouros, que a dissipação bem 

depressa costuma desperdiçar. É de estranhar que o homem 

jamais possa, nesta vida, gozar perfeita alegria, se considera 

seu exílio e pondera os muitos perigos de sua alma. 

2. Pela leviandade do coração e pelo descuido dos nossos defeitos 

não percebemos os males de nossa alma; e muitas vezes, rimo-

nos frivolamente, quando, com razão, devíamos chorar. Não há 

verdadeira liberdade nem perfeita alegria, sem o temor de 

Deus e Boa consciência. Ditoso aquele que pode apartar de si 

todo estorvo das distrações e recolher-se com santa 

compunção. Ditoso aquele que rejeita tudo que lhe possa 

manchar ou agravar a consciência. Peleja varonilmente: um 

costume com outro se vence. 

3. Se souberes deixar os homens, eles te deixarão fazer tuas boas 

obras. Não te metas em coisas alheias, nem te impliques nos 

negócios dos grandes. Olha sempre primeiro para ti e 

admoesta-te com mais particularidade que a todos os teus 

amigos. Não te entristeça a falta dos humanos favores, mas 

penalize-te o não viveres com tanta cautela e prudência como 

convém a um servo de Deus e devoto religioso. Mais útil e mais 

seguro é para o homem não ter nesta vida muitas consolações, 

mormente sensíveis. Todavia, se não temos, ou raramente 

sentimos o consolo divino, a culpa é nossa, porque não 

procuramos a compunção do coração, nem rejeitamos de todo 

as vãs consolações exteriores. 

4. Reconhece que és indigno da consolação divina, mas antes 

merecedor de muitas aflições. Quando um homem está 

perfeitamente compungido, logo se lhe torna enfadonho e 

amargo o mundo todo. O homem justo sempre acha bastante 

matéria para afligir-se e chorar. Pois, quer olhe para si, quer 

para o próximo, sabe que ninguém passa esta vida sem 

tribulações. E quanto mais atentamente se considera, tanto 

mais profunda é a sua dor. Matéria de justa mágoa e profundo 

pesar são nossos pecados e vícios, aos quais de tal sorte 

estamos presos, que raras vezes podemos contemplar as 

coisas do céu. 

1. Se mais amiúdo pensasses na morte que numa vida de 

muitos anos, não há dúvida que tua emenda seria mais 2. fervorosa. Se também meditasses seriamente nas penas

futuras do inferno ou do purgatório, creio que sofrerias

de bom grado trabalhos e dores, sem recear nenhuma

austeridade. Mas, como estas coisas não nos penetram o

coração e amamos ainda os regalos, ficamos frios e muito

tíbios.

5. É muitas vezes pela fraqueza do espírito que este miserável

corpo se queixa tão facilmente. Pede, pois, humildemente ao

Senhor que te dê o espírito de compunção, e dize, com o

profeta: Sustenta-me, Senhor, com o pão das lágrimas e a

bebida copiosa do pranto (Sl 79,6).

CAPÍTULO 22

Da consideração da miséria humana

1. Miserável serás, onde quer que estejas e para onde quer que te

voltes, se não te voltares para Deus. Por que te afliges, quando

não te correm as coisas a teu gosto e vontade? Quem é que

tem tudo à medida de seu desejo? Nem eu, nem tu, nem

homem algum sobre a terra. Ninguém há no mundo sem

nenhuma tribulação ou angústia, quer seja rei quer Papa.

Quem é que vive mais feliz? Aquele, de certo, que sabe sofrer

alguma coisa por Deus.

2. Dizem muitos mesquinhos e tíbios: Olhai, que boa vida tem

este homem: quão rico é, quão grande e poderoso, de que alta

posição! Olha tu para os bens do céu, e verás que nada são os

bens corporais, mas muito incertos e onerosos, pois nunca

vive sem temor e cuidado quem os possui. Não consiste a

felicidade do homem na abundância dos bens temporais;

basta-lhe a mediania. O viver na terra é verdadeira miséria.

Quanto mais espiritual quer ser o homem, mais amarga lhe

será a vida presente, porque conhece melhor e mais

claramente vê os defeitos da humana corrupção. Porque o

comer, beber, velar, dormir, descansar, trabalhar e estar

sujeito a todas as demais grandes misérias e aflições para o

homem espiritual que deseja estar isento disto e livre de todo

pecado.

3. Sim, muito oprimido se sente o homem interior com as

necessidades corporais neste mundo. Por isto roga o profeta a

Deus, devotamente, que o livre delas, dizendo: Livrai-me,

Senhor, das minhas necessidades (Sl 24,17). Mas, ai daqueles

que não conhecem a sua miséria, e, outra vez, ai daqueles que

amam esta miserável e corruptível vida! Porque há alguns tão apegados a ela - posto que mal arranjem o necessário com o

trabalho ou com a esmola - que, se pudessem viver aqui

sempre, nada se lhes daria do reino de Deus.

4. Ó insensatos e duros de coração, que tão profundamente

jazem apegados à terra, que não gostam senão das coisas

carnais. Infelizes! Lá virá o tempo em que hão de sentir, muito

a seu custo, como era vil e nulo aquilo que amaram. Os santos

de Deus, e todos os fiéis amigos de Cristo, não tinham em

conta o que agradava à carne nem o que neste mundo

brilhava, mas toda a sua esperança e intenção se fixavam nos

bens eternos. Todo o seu desejo se elevava para as coisas

invisíveis e perenes, para que o amor do visível não se arrasta

a desejar as coisas inferiores. Não percas, irmão meu, a

confiança de fazer progressos na vida espiritual; ainda tens

tempo e ocasião.

5. Por que queres adiar tua resolução? Levanta-te, começa já e

dize: Agora é tempo de agir, agora é tempo de pelejar, agora é

tempo próprio para me emendar. Quando estás atribulado e

aflito, é tempo de merecer. Importa que passes por fogo e água,

antes que chegues ao refrigério (Sl 65,12). Se não te fizeres

violência, não vencerás os vícios. Enquanto estamos neste

frágil corpo, não podemos estar sem pecado, nem viver sem

enfado e dor. Bem quiséramos descanso de toda miséria; mas

como pelo pecado perdemos a inocência, perdemos também a

verdadeira felicidade. Por isso devemos ter paciência, e confiar

na divina misericórdia, até que passe a iniqüidade (Sl 52,6), e

a vida absorva esta mortalidade (2Cor 5,4).

6. Como é grande a fragilidade humana, inclinada sempre ao

mal! Hoje confessas os teus pecados, e amanhã cometes outra

vez os mesmos que confessaste. Resolves agora te acautelar, e

daqui a uma hora de portas como quem nada se propôs. Com

muita razão nos devemos humilhar e não nos ter em grande

conta, já que tão frágeis somos e tão inconstantes. Assim,

facilmente se pode perder pela negligência o que tanto nos

custou a adquirir com a divina graça.

7. Que será de nós no fim, se já tão cedo somos tíbios? Ai de nós,

se assim procuramos repouso, como se já estivéssemos em paz

e segurança, quando nem sinal aparece em nossa vida de

verdadeira santidade. Bem necessário nos fora que nos

intruíssemos de novo, como bons noviços, nos bons costumes;

talvez que assim houvesse esperança de alguma emenda

futura e maior progresso espiritual.

CAPÍTULO 23

 Da meditação da morte

1. Mui depressa chegará teu fim neste mundo; vê, pois, como te

preparas: hoje está vivo o homem, e amanhã já não existe.

Entretanto, logo que se perdeu de vista, também se perderá da

memória. Ó cegueira e dureza do coração humano, que só

cuida do presente, sem olhar para o futuro! De tal modo te

deves haver em todas as tuas obras e pensamentos, como se

fosse já a hora da morte. Se tivesses boa consciência não

temerias muito a morte. Melhor fora evitar o pecado que fugir

da morte. Se não estás preparado hoje, como o estarás

amanhã? O dia de amanhã é incerto, e quem sabe se te será

concedido?

2. Que nos aproveita vivermos muito tempo, quando tão pouco

nos emendamos? Oh! nem sempre traz emenda a longa vida,

senão que aumenta, muitas vezes, a culpa. Oxalá tivéssemos,

um dia sequer, vivido bem neste mundo! Muitos contam os

anos decorridos desde a sua conversão; freqüentemente,

porém, é pouco o fruto da emenda. Se for tanto para temer o

morrer, talvez seja ainda mais perigoso o viver muito. Bem-

aventurado aquele que medita sempre sobre a hora da morte,

e para ela se dispõe cada dia. Se já viste alguém morrer, reflete

que também tu passarás pelo mesmo caminho.

3. Pela manhã, pensa que não chegarás à noite, e à noite não te

prometas o dia seguinte. Por isso anda sempre preparado e

vive de tal modo que te não encontre a morte desprevenido.

Muitos morrem repentina e inesperadamente; pois na hora em

que menos se pensa, virá o Filho do Homem (Lc 12,40).

Quando vier àquela hora derradeira, começarás a julgar mui

diferentemente toda a tua vida passada, e doer-te-á muito

teres sido tão negligente e remisso.

4. Quão feliz e prudente é aquele que procura ser em vida como

deseja que o ache a morte. Pois o que dará grande confiança

de morte abençoada é o perfeito desprezo do mundo, o desejo

ardente do progresso na virtude, o amor à disciplina, o rigor

na penitência, a prontidão na obediência, a renúncia de si

mesmo e a paciência em sofrer, por amor de Cristo, qualquer

adversidade. Mui fácil é praticar o bem enquanto estás são;

mas, quando enfermo, não sei o que poderás. Poucos

melhoram com a enfermidade; raro também se santificam os que andam em muitas peregrinações.

5. Não confies em parentes e amigos, nem proteles para mais 

tarde o negócio de tua salvação, porque mais depressa do que 

pensas te esquecerão os homens. Melhor é providenciar agora 

e fazer algo de bem, do que esperar pelo socorro dos outros. Se 

não cuidas de ti no presente, quem cuidará de ti no futuro? 

Mui precioso é o tempo presente: agora são os dias de 

salvação, agora é o tempo favorável (2Cor 6,2). Mas, ai! Que 

melhor não aproveitas o meio pelo qual podes merecer viver 

eternamente! Tempo virá de desejares, um dia, uma hora 

sequer, para a tua emenda, e não sei se a alcançarás. 

6. Olha, meu caro irmão, de quantos perigos te poderias livrar e 

de quantos terrores fugir, se sempre andasses temeroso e 

desconfiado da morte. Procura agora de tal modo viver, que na 

hora da morte te possas antes alegrar que temer. Aprende 

agora a desprezar tudo, para então poderes voar livremente a 

Cristo. Castiga agora teu corpo pela penitência, para que 

possas então ter legítima confiança. 

7. Ó louco, que pensas viver muito tempo, quando não tens 

seguro nem um só dia! Quantos têm sido logrados e, de 

improviso, arrancados ao corpo! Quantas vezes ouviste contar: 

morreu este a espada; afogou-se aquele; este outro, caindo do 

alto, quebrou a cabeça; um morreu comendo, outro expirou 

jogando. Estes se terminaram pelo fogo, aqueles pelo ferro, 

uns pela peste, outros pelas mãos dos ladrões, e de todos é o 

fim a morte, e, depressa, qual sombra, acaba a vida do homem 

(Sl 143,4). 

8. Quem se lembrará de ti depois da morte? E quem rogará por 

ti? Faze já, irmão caríssimo, quanto puderes; pois não sabes, 

quando morrerás nem o que te sucederá depois da morte. 

Enquanto tens tempo, ajunta riquezas imortais. Só cuida em 

tua salvação, ocupa-te só nas coisas de Deus. Granjeia agora 

amigos, venerando os santos de Deus e imitando suas obras, 

para que, ao saíres desta vida, te recebam nas eternas 

moradas (Lc 16,9). 

9. Considera-te como hóspede e peregrino neste mundo, como se 

nada tivesses com os negócios da terra. Conserva livre teu 

coração, e erguido a Deus, porque não tens aqui morada 

permanente. Para lá dirige tuas preces e gemidos, cada dia, 

com lágrimas, a fim de que mereça tua alma, depois da morte, passar venturosamente ao Senhor. Amém.


CAPÍTULO 24

Do juízo e das penas dos pecadores

1. Em todas as coisas olha o fim, e de que sorte estarás diante do 

severo Juiz a quem nada é oculto, que não se deixa aplacar 

com dádivas, nem aceita desculpas, mas que julgará segundo 

a justiça. Ó misérrimo e insensato pecador! Que responderás a 

Deus, que conhece todos os teus crimes, se, às vezes, te 

amedronta até o olhar dum homem irado? Por que não te 

acautelas para o dia do juízo, quando ninguém poderá ser 

desculpado ou defendido por outrem, mas cada um terá assaz 

que fazer por si? Agora o teu trabalho é frutuoso, o teu pranto 

aceito, o teu gemer ouvido, satisfatória a tua contrição. 

2. Grande e salutar purgatório tem nesta vida o homem paciente: 

se, injuriado, mas se dói da maldade alheia, que da ofensa 

própria; se, de boa vontade, roga por seus adversários, e de 

todo o coração perdoa os agravos; se não tarda em pedir 

perdão aos outros; se mais facilmente se compadece do que se 

irrita; se constantemente faz violência a si mesmo, e se esforça 

por submeter de todo a carne ao espírito. Melhor é expiar já os 

pecados e extirpar os vícios, que adiar a expiação para mais 

tarde. Com efeito, nós enganamos a nós mesmos pelo amor 

desordenado que temos à carne. 

3. Que outra coisa há de devorar aquele fogo senão os teus 

pecados? Quanto mais te poupas agora e segues a carne, tanto 

mais cruel será depois o tormento e tanto mais lenha ajuntas 

para a fogueira. Naquilo em que o homem mais pecou, será 

mais gravemente castigado. Ali os preguiçosos serão incitados 

por aguilhões ardentes, e os gulosos serão atormentados por 

violenta fome e sede. Os impudicos e voluptuosos serão 

banhados em pez ardente e fétido enxofre, e os invejosos 

uivarão de dor, à semelhança de cães furiosos. 

4. Não há vício que não tenha o seu tormento especial. Ali, os 

soberbos serão acabrunhados de profunda confusão, e os 

avarentos oprimidos com extrema penúria. Ali será mais cruel 

uma hora de suplício do que cem anos aqui da mais rigorosa 

penitência. Ali não há descanso nem consolação para os 

condenados, enquanto aqui, às vezes, cessa o trabalho e nos 

consolam os amigos. Relembra agora e chora teus pecados, 

para que no dia do juízo estejas seguro entre os escolhidos. 

Pois erguer-se-ão, naquele dia, os justos com grande força 

contra aqueles que os oprimiram e desprezaram (Sab 5,1). 

Então se levantará, para julgar, Aquele que agora se curvou 

humildemente ao juízo dos homens. Então terá muita 

confiança o pobre e o humilde, mas o soberbo estremecerá de pavor.

5. Então se verá que foi sábio, neste mundo, quem aprendeu a 

ser louco e desprezado, por amor de Cristo. Então dará prazer 

toda tribulação, sofrida com paciência, e a iniqüidade não 

abrirá a sua boca (Sl 106,42). Então se alegrarão todos os 

piedosos e se entristecerão todos os ímpios. Então mais 

exultará a carne mortificada, que se fora sempre nutrida em 

delícias. Então brilhará o hábito grosseiro e desbotarão as 

vestimentas preciosas. Então terá mais apreço o pobre tugúrio 

que o dourado palácio. Mais valerá a paciente constância que 

todo o poderio do mundo. Mais será engrandecida a singela 

obediência que toda a sagacidade do século. 

6. Mais satisfação dará a pura e boa consciência que a douta 

filosofia. Mais valerá o desprezo das riquezas que todos os 

tesouros da terra. Mais te consolará a lembrança duma devota 

oração que a de inúmeros banquetes. Mais folgarás de ter 

guardado silêncio, do que de ter falado muito. Mais valor terão 

as boas obras que as lindas palavras. Mais agradará a vida 

austera e árdua penitência que todos os gozos terrenos. 

Aprende agora a padecer um pouco, para poupar-te mais 

graves sofrimentos no futuro. Experimenta agora o que podes 

sofrer mais tarde. Se não podes agora sofrer tão pouca coisa, 

como suportarás os eternos suplícios? Se tanto te repugna o 

menor incômodo, que te fará então o inferno? Certo é que não 

podes fruir dois gozos: deleitar-se neste mundo, e depois 

reinar com Cristo. 

7. Se até hoje tivesses vivido sempre em honras e delícias, que te 

aproveitaria isso se tivesses que morrer neste instante? Logo, 

tudo é vaidade, exceto amar a Deus e só a ele servir. Pois 

quem ama a Deus, de todo o coração, não teme nem a morte, 

nem o castigo, nem o juízo, nem o inferno, porque o perfeito 

amor dá seguro acesso a Deus. Mas quem ainda se delicia no 

pecado, não é de estranhar que tema a morte e o juízo. 

Todavia, é bom que, se do mal não te aparta o amor, te refreie 

ao menos o temor do inferno. Aquele, porém, que despreza o 

temor de Deus, não poderá por muito tempo perseverar no 

bem, e depressa cairá nos laços do demônio. 


CAPÍTULO 25

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