Santa Inês de Assis, irmã de Santa Clara de Assis
Virgem da Segunda Ordem (1198-1253). Bento XIV, no dia 15 de abril de 1762, concedeu ofício e Missa em sua honra.
A
vida de Santa Inês de Assis, irmã de Santa Clara nos é quase
desconhecida... Ela, no entanto, teve um papel relevante na história
clariana, aderiu de coração e alma ao carisma de pobreza e sororidade,
sendo a primeira vocacionada à vida da Ordem das Clarissas, depois da
fundadora, Clara de Assis. Pode, com certeza, ser considerada como
cofundadora, por sua dedicada colaboração. Foi quem mais partilhou com
Clara o ideal evangélico; é um protótipo autêntico e acabado da Irmã
Pobre, um modelo e um exemplo de vida para a clarissa hoje. A Igreja
venera-a como santa e sua festa é celebrada no dia 19 de novembro.
Talvez algumas notícias históricas, fruto de sérias pesquisas, nos
ajudem a conhecê-la melhor. Nasceu em Assis em 1196-1197. Segunda filha
de Favarone de Ofreduccio e da Bem-aventurada Ortolana, ambos da nobreza
da Úmbria, teve mais uma irmã, chamada Beatriz, também clarissa
beatificada, que morreu a 25 de janeiro de 1260 e que teria nascido por
volta de 1199. Seu nome de batismo era Catarina (Catherina), como
resultado da influência de uma viagem de Ortolana à Terra Santa,
passando pelo famoso mosteiro de Santa Catarina de Alexandria, no Monte
Sinai, cujos ossos guardados na igreja atraíam peregrinos que
desembarcavam no porto egípcio de Damieta e prosseguiam viagem, passando
pelo Sinai e posteriormente por Gaza, rumo à terra de Jesus Cristo.
Esta mesma devoção inspirou também o nome de muitos mosteiros do início
da Ordem de Santa Clara, e era, além disso, um nome muito comum entre as
mulheres da época medieval. A infância e adolescência de Catarina foram
vividas no palácio da família na praça da catedral de São Rufino, em
Assis, com breves estadias de veraneio no castelo de Coresano, no
caminho de Gúbio, que pertencia aos cavaleiros nobres de Ofreduccio.
Residiu com a família em Perusa como refugiados, num certo período de
anos, durante a guerra que se desenrolava em Assis entre o povo em
revolta contra o domínio do Imperador e contra os Feudatários.
Juntamente com Clara e Beatriz, foi educada santamente pela mãe
Ortolana, partilhando dos sentimentos de Clara e desejando, como ela
consagrar-se somente a Deus. Clara mesma rezou por sua irmã, suplicando
para ela o dom da mesma vocação. Sua personalidade foi se delineando
entre as aspirações ao poder e prestígio da nobre família, que se
enfileira na guerra a favor dos perusinos contra a cidade natal, e os
exemplos de devoção e de virtudes que vê em sua mãezinha e em sua irmã
mais velha, Clara. “Com ela vive em concórdia e afinidade de alma” e há
entre elas um maravilhoso afeto mútuo que tornará dolorosa a separação,
quando Clara deixa a família para seguir o ideal evangélico de Francisco
no caminha da altíssima pobreza.
Das
Fontes clariana e franciscanas conhecemos como Clara, entre as
primícias que oferecia a Deus, com todo os sentimentos do coração, pedia
com maior intensidade que aquela concórdia e afinidade de alma que
tivera no mundo com a irmã se tornasse agora união de vontade entre elas
no serviço de Deus. Reza com insistência ao Pai das misericórdias, e
sua oração é atendida. Eis que uma luz inunda o coração de Inês,
mostrando-lhe a belíssima realidade de um amor divino livre e soberano
que domina em sua jovem vida e torna-se tudo.
Santa
Inês de Assis foi a segunda depois de Clara na Ordem das Clarissas,
iniciando sua vida consagrada a Deus com apenas catorze anos. Sua fuga
de casa ocorreu dezesseis dias depois de Clara ter abandonado a família,
e foi encontrá-la na igreja de Santo Ângelo de Panço, nas encostas do
Monte Subásio, perto de Assis, onde vivia um pequeno grupo de mulheres
numa vida de penitência evangélica, mas sem seguir nenhuma regra. Eram
provavelmente chamadas Beguinas. Neste mesmo lugar, os parentes tentaram
fazê-la retornar, mas ela resistiu firmemente, com a ajuda da oração de
Clara. Este local, na verdade, não tinha a segurança do direito de
asilo. Se tiivesse, como o mosteiro de São Paulo das Abadessas, na
confluência dos rios Tescio e Chiascio, mais distante de Assis, Abadia
de monjas beneditinas, em que Clara estivera anteriormente, e de onde
seus parentes desistiram de tirá-la depois que tocou as toalhas do
altar, apelando para o direito de asilo, que poderia resultar em
excomunhão para quem o violasse, Inês estaria protegida. As duas irmãs
seguiam os passos de Cristo na Igreja de Santo Angelo quando se
desencadeia o ataque dos parentes que, com violência tentam levar
Catarina, enquanto Clara, pondo-se a rezar com lágrimas, implora que
seja dada à irmã firmeza de propósito. Repentinamente os cavaleiros, com
todos os seus esforços, não conseguem mais levantá-la do solo. O tio
Monaldo mesmo, que oprimido pela raiva queria atingi-la com um golpe
mortal, tomado de uma dor atroz na mão erguida para golpeá-la, foi
constrangido a desistir de uma tal luta e a afastar-se com seus
soldados, com amargura pelo insucesso. A Legenda de Santa Clara narra
com vivacidade este fato, exaltando a sua convicção firme e a confiança
na oração de sua irmã. Depois desta luta, São Francisco cortou
pessoalmente os seus cabelos e mudou seu nome Catarina para Inês,
recordando a firmeza de opção que lembrava a virgem e mártir romana,
Santa Inês, depois que ela, pelo “inocente Cordeiro Jesus Cristo,
imolado por nossa salvação, fortemente resistiu e virilmente combateu”.
São Francisco mesmo a orientou no caminho do Senhor. Conduziu-as, então,
na companhia de Frei Bernardo e Frei Felipe, para o pequeno e pobre
mosteiro que reconstruíra alguns anos antes, São Damião, onde logo
chegaram outras companheiras, das quais um número significativo seria de
bem-aventuradas, tornando São Damião um lugar perfumado de santidade.
Aqui, Inês aprende de Clara a afastar da mente todo rumor, para poder
aderir unicamente às profundidades do mistério de Deus. Não teme abraçar
as penas, as fadigas, as privações da pobreza e acolhe tudo com
alegria, na entrega ao Esposo. Seguindo o mesmo caminho da irmã, ama
contemplar Cristo Pobre e Crucificado. Recebeu graças grandiosas na
contemplação e, numa certa ocasião, Santa Clara a teria visto ser
coroada três vezes por um anjo, enquanto permanecia suspensa no ar.
Confessando a sua irmã o que se passara, narrou que pensava devotamente
na bondade e paciência de Deus, como e quando todos os dias se deixa
ofender pelos pecadores. Meditava, condoendo-se e compadecendo-se.
Refletia sobre o inefável amor que Jesus tem pelos pecadores e como, por
sua salvação, sofreu a Paixão e a Morte. Além disso, meditava sobre as
almas do purgatório, que não podem por si mesmas alcançar alívio.
A
Crônica dos primeiros vinte e quatro Gerais da Ordem dos Frades Menores
conservou uma pequena narrativa biográfica de Santa Inês, descrevendo
sua fidelidade e assiduidade à oração. Pela tradição temos presente que
possuía uma terna e afetuosa devoção ao Menino Jesus e ao Crucificado. A
tradição narra que ficou marcada com um sinal no rosto, devido a um
beijo do Menino Jesus. Fazia penitências ásperas, mortificações penosas e
jejuns rigorosos. Era de um temperamento dócil, delicado, tranqüilo.
Caridosa e terna, era cheia de solicitude pelas irmãs que sofriam. Era
prudente e madura, testemunho de constância e fidelidade ao compromisso
assumido no albor de sua juventude, no desabrochar de seus verdes anos
oferecidos ao Senhor. Em 1221, dez anos depois dos inícios de São
Damião, Inês foi enviada a Florença, juntamente com Irmã Giácoma, que
também havia ingressado em São Damião. Não se conhece com precisão a
data de sua chegada a Monticeli e diversas são as afirmações. Sabemos
com certeza que ainda estava em São Damião em 1220, pela exata datação
de uma carta do Cardeal Hugolino que, escrevendo a Clara, saúda a irmã,
que evidentemente estava ali presente. Irmã Chiara Lúcia Garzônio,
clarissa do mosteiro de Santa Inês de Florença, grande estudiosa , é
propensa a datar a partida de Inês em torno de 1221, como resulta da
Crônica do mesmo mosteiro de Monticeli, redigida em 1649, mas que se
baseava em documentos precedentes, posteriormente perdidos, e onde se
diz que passando por Florença “Francisco mesmo prometeu enviar Inês de
Assis às irmãs florentinas”. Também a Crônica dos XXIV Gerais refere o
fato de que Inês “foi mandada pelo bem-aventurado Francisco como
abadessa em Florença, onde... com o exemplo da santidade de sua vida e
com a sua palavra doce e persuasiva, plena de amor de Deus, fervente no
desprezo do mundo, plantou naquele mosteiro, como desejava Santa Clara, a
observância da pobreza evangélica”. A confirmação mais segura desta
data nos vem dos documentos da fundação do mosteiro de Santa Maria de
Santo Apolinário, em Milão, que ocorreu em 1222, para a qual é enviada
Irmã Giácoma, explicitamente chamada “companheira de Inês, irmã de
Clara”. Esta separação de Clara e das irmãs foi para ela na verdade uma
prova muito dura. Assim o expressa numa carta escrita logo depois da
chegada a Florença. É a única que se conserva, infelizmente, pois se
presume que a correspondência tenha continuado posteriormente. Nesta
carta, expõe toda a dor pela qual passa, por estar separada das irmãs
que tanto ama e com quem pensou que viveria por toda a sua vida.
Entretanto, fala também da alegria que experimentou pelo acolhimento
carinhoso das novas irmãs e de como se surpreendeu pelo espírito de
obediência e docilidade que demonstram para consigo. Acena brevemente ao
fato do Papa ter acedido aos seus pedidos e pede que as irmãs roguem ao
Frei Elias que as visite com freqüência para consolá-las no Senhor.
Inês e Giácoma chegaram poucos meses antes do Natal de 1221, sendo
recebidas pelos Frades Menores, já presentes numa comunidade nas
proximidades de Florença, na igreja de Santa Maria em São Galo. Este
mosteiro de Monticeli, à margem esquerda do rio Arno, sobre as colinas
de Florença, tinha como abadessa, desde 1219 por bula de Honório III,
uma jovem irmã clarissa de família nobre, chamada Advegnente de Albizzo
de Amadei, e não distava muito da comunidade de Frades Menores.
Advegnente, com algumas companheiras (Boaventura, Giovanela, Lucia,
Cristina), iniciara uma vida pobre no estilo de São Damião a 25 de março
de1218, quando o próprio Francisco de Assis, passando por Florença,
consagrou-as na Igreja de Santa Maria, na localidade de São Galo e, em
seguida, foram acompanhadas a Monticeli pelo benfeitor dos Frades, Guido
de Volto del’Arco e sua esposa Bernardesca, onde deram início oficial à
vida clariana. Em Monticeli, a igreja e o mosteiro haviam sido
construídos com a aprovação do Cardeal Hugolino e a generosa doação do
casal Teresa (Sassa) e Forese Merguilese Belicuzi, que inclusive
mandaram fundir um sino, onde deixaram gravada a data e o nome do casal,
para perpetuar a memória da doação. A 19 de março de 1217, na presença
do Bispo de Florença, Monsenhor Giovani Veletri e do delegado oficial
do Cardeal Hugolino, Belinguiero Gerolami, foi ratificado o documento de
doação do terreno. Estavam presentes Advegnente e suas companheiras,
que já residiam na igreja de Santa Maria do Santo Sepulcro, em Florença,
à espera das luzes de Deus e da possibilidade de iniciar a vida pobre e
penitente das clarissas, tendo por modelo o mosteiro de São Damião de
Assis. A 27 de março de 1219 a fundação fora aprovada oficialmente pelo
Papa Honório III, que concedeu também o Privilégio da Pobreza à
comunidade nascente. Procuravam aproximar-se em tudo, o mais possível,
do ideal evangélico vivido em São Damião de Assis, e tinham na pessoa de
Clara uma referência contínua. Através dos Frades Menores eram
instruídas e introduzidas no caminho do seguimento de Jesus Cristo em
pobreza e humildade. Solicitaram então, a conselho do próprio Francisco e
dos Frades, a presença de irmãs do próprio mosteiro de São Damião, que
ao menos temporariamente as orientassem no espírito da Ordem. E foi
assim que Inês e Giácoma foram enviadas por Clara e Francisco a
Florença. Logo ao chegar, em 1221, Inês assumiu os cuidados da
comunidade, como abadessa, sendo uma presença discreta e acolhedora,
materna, sensível, cultivando em sua irmãs o autêntico espírito da
vivência das Irmãs Pobres. Todas lhe prestaram obediência com cortesia e
reverência, sendo-lhe dóceis e dedicadas e disso Inês ficou sumamente
admirada e edificada.
Em
1222, na primavera (entre março e junho), o Cardeal Hugolino visitou
pessoalmente as irmãs e os frades de Florença. Queria que Inês fosse a
Milão para realizar outra fundação, mas como estivesse há tão pouco
tempo na direção e cuidado das Irmãs, a escolha recaiu sobre Giácoma,
que viera com ela de Assis e que tinha bem presente o espírito das Irmãs
Pobres. Giácoma partiu para Milão com Fiora e mais duas irmãs de
Florença, sendo que o mosteiro ficou concluído em novembro de 1224,
junto à igreja de Santa Maria de Santo Apolinário, perto de um canal de
águas, lugar de neblinas constantes. Giácoma permaneceu oficialmente
como abadessa em Milão até 1228, entretanto seu nome consta no elenco
de irmãs até 1236, sendo abadessa nesta época Irmã Belvésia.
Em
1235, na primavera, após a Páscoa, passou por Florença Irmã Iluminata
de Assis. Chamava-se Grazia, filha de messer Giovani Renaro de Assis, do
mosteiro de São Damião, que havia ingressado depois da partida de Inês.
Dirigia-se a Mântua, para auxiliar numa nova fundação, juntamente com
Irmã Ana, também de Assis. Frei Leão Perego, ministro provincial da
Lombardia, pedira a presença das damianitas em Mântua, numa comunidade
de mulheres reunidas em Tieto, numa localidade chamada Miliarino, para
seguir a Forma de Vida das Irmãs Pobres. Com a aprovação do Cardeal
Hugolino, agora Papa Gregório IX, Clara decidira, então, enviar também
Inês a Mântua, com algumas irmãs de São Damião e de Florença. Ainda no
ano de 1235 chegaram a Mântua Inês, Iluminata, Ana, Andrea e Madalena. O
mosteiro fora adaptado numa antiga construção, com o apoio dos Frades
Menores e do benfeitor Zambonino de Rufino, que doou o terreno e,
posteriormente, a 17 de março de 1242, após a morte da esposa, renovou
sua doação à abadessa do mosteiro já ereto canonicamente, Irmã
Iluminata. Irmã Ana de Assis recebeu mais uma missão: partiu de Mântua
para Veneza, para dar auxílio a uma comunidade de Clarissas, não se tem
certeza se em 1237 ou depois de 1242. E Santa Inês retornou a Florença
justamente num período entre estas datas, pelo que resulta das
pesquisas. Neste tempo era abadessa em Monticeli novamente Advegnente,
que morreria nesta fundação de Florença no ano de 1259, deixando um
belíssimo exemplo de santidade e testemunho de vida evangélica e amor à
Ordem. As fundações de Veneza, Pádua, Milão e várias outras cidades
teriam reclamado a presença de Inês para orientá-las, e houve mesmo quem
a tivesse colocado aí, em narrativas bem posteriores. Mas
historicamente, até onde podemos hoje chegar através de investigações e
pesquisas rigorosamente comprovadas, apenas Florença e Mântua tiveram
esse privilégio de ter a orientação da santa irmã de Clara.
Em
Monticeli de Florença, Inês conheceu uma jovem chamada Humiliana de
Cerdi, que desejou muito ingressar no mosteiro das Clarissas, mas por
vontade dos parentes teve de se casar aos 15 anos. Nas enormes
dificuldades e sofrimentos, encontrava força nos diálogos com Santa
Inês, que se tornou sua orientadora espiritual. Por conselho de Frei
Miguel, Humiliana ingressou na Ordem Terceira Franciscana. Levou uma
vida santa, teve duas filhas e ficou viúva com menos de vinte anos.
Morreu em 1246 e foi a primeira Santa de Florença, da Ordem Franciscana.
Somente em 1253, perto da morte de Santa Clara, Inês retorna a Assis.
Ali, continua profundamente unida a Advegnente e à comunidade de
Florença. Numa situação oportuna, solicita do Papa Inocêncio IV a
confirmação do Privilégio da Pobreza para o mosteiro de Florença. Em
data de 26 de maio de 1253, de Assis, endereçada ao Cardeal Reinaldo, o
Papa confia em proteção solícita a ele mesmo e a seus sucessores o
mosteiro de Monticeli, até que a abadessa e as irmãs mantivessem o
propósito de nada possuir além de Deus. Através da Crônica dos XXIV
Gerais, de 1300, sabemos que Inês morreu em São Damião, a 27 de agosto
de 1253, dezesseis dias após a morte de Clara. Tinha cerca de cinqüenta e
seis anos de idade. Da legenda de Santa Clara sabemos da promessa que
Clara, ao morrer, fez a irmã que lhe estava bem próxima: “Agrada a Deus,
irmã caríssima, que eu parta; mas tu, deixa de chorar, porque logo
virás ao Senhor atrás de mim e, antes que eu me separe de ti, será
concedida pelo Senhor uma grande consolação”. Realmente, poucos dias
depois, Inês, chamada às núpcias do Cordeiro, seguiu a irmã Clara na
alegria celeste. Na ocasião da morte de Inês, a multidão da cidade de
Assis acorreu ao mosteiro, aclamando-a como santa. Ao subirem pela ponte
levadiça do mosteiro, houve um acidente, devido ao excesso de peso, em
que muitas pessoas ficaram feridas na queda. Entretanto, como primeiro
sinal de suas virtudes sobrenaturais e de sua santidade, ao ser
invocada, curou milagrosamente seus ferimentos. Assim, confirmou-se para
a população a certeza de sua santidade, depois ratificada pela Igreja.
Inês foi solenemente canonizada a 15 de abril de 1752, pelo Papa
Benedito XIV. Foi sepultada inicialmente na cripta ao lado da capela, no
mosteiro de São Damião. Em 1260 seu corpo foi inumado e transportado
para junto do túmulo de Santa Clara, na Basílica, dentro dos muros de
Assis, quando as Clarissas se transferiram para o novo mosteiro, sob a
direção da Bem-aventurada Benedita de Assis, abadessa das Irmãs Pobres.
Ali repousa, juntamente com Ortolana e outras irmãs que haviam morrido
antes da transferência das primeiras Clarissas para o Protomosteiro de
Assis e que foram com ela transportadas para dentro dos muros de Assis.
São dezesseis as Clarissas Bem-aventuradas, dentre as primeiras
damianitas, além de Santa Clara e de Santa Inês, incluídas Ortolona e
Beatriz, como riquíssimo fruto da árvore fecunda que brotou no campo da
Igreja, a Ordem das Clarissas. Depois do Oitavo Centenário do nascimento
de Santa Clara, olhamos agora para o “primeiro rebento” da Plantinha de
Francisco, para aprender dela aquela concórdia e afinidade de alma que
tornou-se união de vontade no serviço de Deus, e com ela gozarmos da
Cruz de Cristo, colocando-nos também nós na escola de Clara, discípula e
pedagoga, candelabro de santidade que refulge diante do tabernáculo de
Senhor.
Carta de Santa Inês à Santa Clara de Assis
Carta de Inês de Assis à Santa Clara
A sua
venerável mãe e senhora em Cristo, distinta e querida senhora dona
Clara, e a toda a sua comunidade. Inês, humilde e mínima serva de
Cristo, prostrada a seus pés com toda submissão e devoção, deseja-lhes o
que de mais doce e precioso se possa desejar no sumo Rei altíssimo.
Como a
condição de todos foi feita de tal forma que nunca dá para ficar na
mesma situação, quando alguém acha que está na prosperidade, então é que
mergulha na adversidade. Por isso deve saber, mãe, que estou na maior
tribulação e numa imensa tristeza corporal e espiritual. Estou sofrendo
um peso e uma dor fora do comum e quase não consigo falar, por estar
separada de você e das outras minhas irmãs, com quem pensei que, neste
mundo, ia viver e morrer.
Essa
tribulação já começou, mas não sei quando vai acabar. Nunca diminui, só
cresce. Surgiu há pouco, mas não vai de jeito nenhum para o ocaso. Está
sempre junto de mim, não quer se afastar. Eu achava que a vida e a
morte deviam unir na terra as que convivem juntas no céu, que a mesma
sepultura ia conter as que são da mesma natureza. Mas, pelo que estou
vendo, enganei-me, estou angustiada, estou abandonada, estou atribulada
por todos os lados.
Ó
minhas ótimas irmãs, tenham pena de mim, por favor, chorem comigo, para
não virem a sofrer algo parecido, e vejam que não há dor como a minha.
Esta dor me machuca sempre, esta tristeza me tortura, este ardor não
pára de queimar, por isso estou cheia de angústias por todo lado e não
sei o que fazer. Ajudem-me, por favor, com suas piedosas orações, para
que essa tribulação me seja tolerável e leve. Ó dulcíssima mãe e
senhora, que posso dizer se já não espero rever corporalmente a vocês,
minhas irmãs?
Ah!
Se pudesse expressar meus pensamentos como desejo! Ah, se pudesse
mostrar para vocês nesta folha a longa dor que espero e está sempre
diante de mim! Minha cabeça queima por dentro, crucia-se pelo fogo
inextinguível das tribulações. O coração geme lá dentro e os olhos não
param de derramar rios de lágrimas. Estou toda cheia de tristeza, já
quase toda consumida no espírito. Não acho consolação, por mais que
busque. Concebo uma dor atrás da outra quando remôo no coração que já
não tenho nenhuma esperança de ver você nem minhas irmãs.
Desta
parte não há quem me console de todos os meus queridos, mas por outro
lado estou muito consolada e vocês podem se congratular comigo. Pois
encontrei a maior concórdia, nenhuma divisão, melhor do que poderia
esperar. E todas me receberam com a maior cordialidade e alegria, e me
prometeram obediência devotamente, com reverência.
Todas
elas se recomendam a Deus, a vocês e à sua comunidade, e eu também lhes
recomendo a mim mesma e a elas em tudo e por tudo, para que tenham
solícito cuidado de mim e delas como irmãs e filhas suas. Saibam que eu e
elas queremos observar todo o tempo de nossa vida inviolavelmente os
seus conselhos e preceitos. Além do mais, podem saber que o senhor Papa
acedeu em tudo e por tudo ao que eu disse e pedi, de acordo com a sua
intenção e a minha, na questão da propriedade.
Peço que roguem ao Frei Elias que se sinta obrigado a me visitar com frequência para me consolar no Senhor.
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