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terça-feira, 12 de setembro de 2017

Santos de cada dia- 13 de setembro - S. João Crisostomo

«São João Crisóstomo» 



ão João Crisóstomo nasceu na cidade de Antioquia. Cresceu no meio da multidão sem deixar-se contaminar por ela. Conheceu os pobres e desafortunados e soube amá-los como eram. Sua família era culta e possuía muitos bens . O pai de João, oficial de alto nível, morrera jovem.
Desde criança foi educado pela mãe, mulher admirável que, aos vinte anos, sacrificou sua juventude, renunciou a novas núpcias, para dedicar-se inteiramente a seu filho. João recebeu o Batismo mais ou menos aos dezoito anos de idade.
Concluídos seus estudos de cultura geral, de retórica e de filosofia, de forma brilhante, renunciou a uma carreira que se apresentava promissora, para receber as ordens menores. Quis partir para o deserto, mas sua mãe, que por ele sacrificara tudo, não lho permitiu. Fugiu, então, da agitação de Antioquia e estabeleceu-se fora das portas da cidade, a fim de encontrar a paz, consagrando-se à ascese e ao estudo bíblico.
Antioquia era um centro teológico de grande reputação. João lá aprende de forma brilhante a exegese bíblica. Depois passou a viver nas montanhas entre monges uma vida austera a ponto de prejudicar sua saúde. Após algum tempo nas montanhas, achou-se preparado para enfrentar a ação missionária. O amor aos outros, mais do que sua saúde abalada, fê-lo voltar a Antioquia, onde o bispo Melécio o ordenou diácono, em 381.
Escreveu aos 34 anos o tratado sobre o Sacerdócio, que é conhecido e estudado até os nossos dias. Com 39 anos foi ordenado padre. Consagrou-se à pregação, substituindo o bispo, nas homilias pois esse era pouco dotado para falar.
Durante doze anos, pregou ao povo contra o paganismo e tinha esperança de transformá-lo em gente de fé cristã. É dele a frase: "Basta um só homem, para reformar todo um povo."
Sua tarefa era séria. Precisava denunciar os abusos existentes no interior da Igreja e na sociedade; defender os pobres, clamar contra as injustiças sociais. Manteve ainda uma intensa atividade literária, respondendo a todos os que lhe pediam conselho.
A maioria de suas homilias era comentários a respeito do Antigo e o Novo Testamento : explicou o Gênesis, comentou Isaías e os Salmos. O que fazia com mais agrado era pregar sobre o Evangelho. Comentou longamente o de Mateus e o de João. São Paulo era seu autor preferido: sentia afinidade com o Apóstolo dos gentios. Cognominaram-no de o "novo Paulo".
Resta-nos, de João Crisóstomo, uma série de catequeses batismais, que preparavam os catecúmenos para o batismo. As últimas foram reencontradas em 1955, no monte Atos. João Crisóstomo era um orador nato e igualmente um moralista que analisava os segredos do coração em profundidade e com rara psicologia. O povo de Antioquia sabia que João só repreendia para corrigir e para converter.
Inúmeras vezes João tomou a defesa dos pobres e dos infelizes, dos que morriam de fome e sede. Com veemência, João-Boca-de-Ouro ergueu sua voz contra os flagelos sociais, o luxo e a cobiça. Lembrou a dignidade do homem, mesmo pobre, e os limites da propriedade. Dizia: "Libertai o Cristo da fome, da necessidade, das prisões, da nudez."
A fama de João ultrapassava as fronteiras de Antioquia e chegava à nova capital do império. Em 397, o bispo da capital, Nectário, que sucedera a Gregório Nazianzeno, acabava de morrer. Intimado a comparecer à Capital do Império, foi eleito o Bispo de Constantinopla, a Sé do Oriente. João começou uma grande reforma, desembaraçando a casa episcopal do luxo, fazia suas refeições sozinho e acabou com as recepções suntuosas. Reformou as ordens de vida dos clérigos e dos monges, organizou a Reforma Litúrgica com a preocupação de levar Deus aos homens pela Divina Liturgia.
O texto da Divina Liturgia (Santa Missa) que toda a Igreja Ortodoxa celebra em todo o mundo, é conhecida como sendo de São João Crisóstomo.
Empreendeu a evangelização das zonas agrícolas e esforçou-se para trazer à ortodoxia aos pagãos, que eram numerosos na região. Combateu as seitas heréticas com intransigência e rudeza.
Em 402, São João Crisóstomo foi deposto e exilado acusado de não coadunar os interesses da Igreja com as do Império. O bispo foi detido em sua catedral, durante a celebração pascal. Depois de uma palavra de despedida, João deixou a sua igreja que jamais haveria de rever. O exílio foi penoso. João foi enviado para uma aldeia, Cucusa, na fronteira com a Armênia.
A saúde do bispo achava-se enfraquecida. O clima era duro e desfavorável para o seu estado. A maior parte de suas cartas data dessa época. Este homem atingido em cheio pela provação procurou mais consolar do que ser consolado.
No sofrimento, pensava nos outros. Finalmente morreu, no dia 14 de setembro de 407, festa da Exaltação da Santa Cruz. Suas últimas palavras foram: "Glória a Deus por tudo."
Os contemporâneos descrevem-nos João Crisóstomo como um homem de estatura baixa, de rosto magro, de testa enrugada, de cabeça calva. Tinha voz fraca. As austeridades comprometeram definitivamente sua saúde. Não falava para ser escutado, falava para instruir, exortar, reformar, preocupado com o combate aos costumes pagãos e com a instauração da moral do Evangelho. Era um reformador, um missionário. Se não era um teólogo original, era um pastor incomparável. Sua pregação desempenhou na liturgia bizantina o mesmo papel que a de Agostinho no Ocidente. Ele foi lido, copiado, traduzido, imitado. De todos os Padres da Igreja, São João Crisóstomo é aquele cuja pregação menos envelheceu. Sua pregação moral e social parece escrita hoje.
A honra da Igreja consiste em contar com homens, como João Crisóstomo, que não pactuaram com o poder, com o dinheiro, e que souberam tomar o partido dos pobres. Toda a fé deste homem exprime-se em sua palavra. E esta palavra vive sempre.
Fonte:
Hamman. Os Padres da Igreja. Ed Paulinas, 1985
Spaneut, Michel. Os Padres da Igreja. Ed Loyola. 1999

Doutrina atribuida a S. João Crisostomo

1. Seguimento de Cristo


Cristo deu-te o poder de ser como Ele segundo as tuas forças. Não te assustes ao ouvires isto. O que deve espantar-te é não seres como Ele. (Homilias sobre São Mateus, 78, 4)

Daniel era jovem; José, escravo; Áquila exercia uma profissão manual; a vendedora de púrpura encarregava-se de uma loja; outro era guarda de uma prisão; outro centurião, como Cornélio; outro estava doente, como Timóteo; outro era um escravo fugitivo, como Onésimo. E, no entanto, nada disso foi obstáculo para nenhum deles, e todos brilharam pela sua virtude: homens e mulheres, jovens e velhos, escravos e livres; soldados e civis. (Homilias sobre São Marcos, 43, 5)

Não é absurdo pores tanto cuidado nas coisas do corpo, a ponto de já desde muitos dias antes da festa preparares uma roupa belíssima, e te adornares e embelezares de todas as maneiras possíveis, e, no entanto, não tomares nenhum cuidado com a tua alma, abandonada, suja, esquálida, consumida de fome...? (Homilias sobre as estátuas, 6)

Quando o espiritual nos chama, não há ocupação alguma necessária. (Homilias sobre São Mateus, 69, 1)

Não te peço pagamento algum pelo que te dou - diz-nos [o Senhor] -, antes Eu mesmo quero ser teu devedor, com a única condição de que queiras beneficiar-te de tudo o que é meu. A que se pode comparar esta honra? Eu sou pai, irmão, esposo, casa, alimento, vestido, raiz, fundamento; Eu sou tudo quanto tu quiseres; por isso, não te vejas necessitado de coisa alguma. Até te servirei, pois vim para servir, e não para ser servido (cfr. Mc 10,45). Eu sou amigo, membro, cabeça, irmão, irmã e mãe; sou tudo isso, e apenas quero contigo intimidade. Eu, pobre por ti, mendigo por ti, crucificado por ti, sepultado por ti; no céu, por ti, diante de Deus Pai; e na terra sou seu legado diante de ti. És tudo para Mim, irmão e co-herdeiro, amigo e membro. Que mais queres? (Homilias sobre São Mateus, 76)

O amor [de Deus] é grande. Se desejas emprestar-lhe, Ele está disposto a receber. Se queres semear, Ele te vende a semente; se queres construir, Ele te diz: edifica nos meus terrenos. Por que corres atrás das coisas dos homens, que são pobres mendigos e nada podem? Corre atrás de Deus, que, em troca de coisas pequenas, te dá outras grandes. (Homilias sobre São Mateus, 76, 4)

Não vos recomendo nada pesado. Não vos digo: "Não caseis". Não vos digo: "Abandonai a cidade e afastai-vos dos negócios civis". Não. Permanecei onde estais, mas praticai a virtude. Na verdade, eu preferiria que aqueles que vivem nas cidades brilhassem pela sua virtude a que o fizessem os que foram viver nos montes. Por quê? Porque daí resultaria um bem imenso, pois ninguém acende uma lâmpada e a põe debaixo do alqueire (Mt 5, 15). É por isso que eu quereria que todas as luzes estivessem sobre os candeeiros, para que a claridade fosse maior. Acendamos, pois, o fogo, façamos com que aqueles que se encontram sentados nas trevas se vejam livres do erro. E não me venhas dizer: "Tenho filhos, tenho mulher, tenho que cuidar da casa e não posso cumprir o que me dizes". Se não tivesses nenhuma dessas coisas e fosses tíbio, tudo estaria perdido; mas, mesmo que todas essas coisas te rodeiem, se fores fervoroso, praticarás a virtude. Só uma coisa é necessária: uma disposição generosa. Se a tiveres, nem a idade, nem a pobreza, nem a riqueza, nem os negócios, nem qualquer outra coisa pode constituir um obstáculo para a virtude. (Homilias sobre São Mateus, 43, 5)

2. Confiança em Deus


Não somos nós, mas a Providência divina que faz tudo, mesmo nas coisas que aparentemente somos nós que fazemos. (Homilias sobre São Mateus, 21, 4)

Não é possível falar de não receber em se tratando de Deus, porque, tanto quanto a bondade supera a maldade, assim o seu amor supera o de todos os pais. (Homilias sobre São Mateus, 23, 5)

Além do que já nos disse, o Senhor dá-nos ainda mais um motivo para que tenhamos confiança: Procurai antes de tudo o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo (Mt 6, 33). Depois de ter livrado a alma de toda a inquietação, Cristo recorda-lhe o Céu. Com efeito, Ele veio destruir o que era antigo e chamar-nos a uma pátria melhor. Por isso não poupa esforços para nos livrar do cuidado do supérfluo e para nos desprender do desordenado amor à terra [...]. Não nascemos para comer, beber e vestir-nos luxuosamente, mas para agradar a Deus e alcançar os bens eternos. E já que essas coisas devem ser secundárias no nosso empenho, sê-lo-ão também na nossa oração. (Homilias sobre São Mateus, 22, 3)

Mesmo ofendido, Deus continua a ser nosso Pai; mesmo irritado, continua a amar-nos como a filhos. Só uma coisa procura: não ter de castigar-nos pelas nossas ofensas, ver que nos convertemos e lhe pedimos perdão. (Homilias sobre São Mateus, 22, 5)

3. Alegria


Podeis acaso não estar em festa contínua durante os dias da vossa vida terrena? Longe de nós qualquer abatimento pela pobreza, doença ou perseguição que nos aflige. A vida presente é um tempo de festa. (Homilias sobre São Mateus, 19, 3)

Que pode perturbar o santo? A morte? Não, porque a deseja como prêmio. As injúrias? Não, porque Cristo ensinou a sofrê-las: Bem-aventurados sereis quando vos injuriarem e vos perseguirem (Mt 5, 11). A doença? Também não, porque a Escritura aconselha: Aceita tudo o que Deus te mandar, e permanece em paz na tua dor, e no tempo da humilhação tem paciência; porque o ouro e a prata se provam no fogo, e os homens amados de Deus, no cadinho da tribulação (Ecl 2, 5). Que resta então, que seja capaz de perturbar o santo? Nada. Na terra, até a alegria costuma acabar em tristeza; mas, para quem vive de acordo com Cristo, as próprias penas se transformam em alegria. (Homilias sobre as estátuas, 18)

4. Fé e Oração


Abrir os olhos é coisa de Deus, escutar atentamente é coisa nossa; a fé é simultaneamente obra divina e obra humana. (Homilias sobre os Atos dos Apóstolos, 35)

Deus chamou [os Magos] servindo-se daquilo que lhes era mais familiar e mostrou-lhes uma grande e maravilhosa estrela para que lhes chamasse a atenção pela sua própria grandeza e formosura [...]. Enquanto os Magos estavam na Pérsia, não viam senão uma estrela; mas, depois que deixaram a sua pátria, viram o próprio Sol da justiça. (Homilias sobre São Mateus, 6, 3-6)

Quando digo a alguém: "Roga a Deus, pede-lhe, suplica-lhe", responde-me: "Já pedi uma vez, duas, três, dez, vinte vezes, e nada recebi". Não cesses, irmão, enquanto não tiveres recebido; a petição termina quando se recebe o que se pediu. Cessa quando tiveres alcançado; melhor ainda, nem então cesses. Persevera ainda. Enquanto não receberes, pede para conseguir; e quando tiveres recebido, dá graças. (Homilia sobre a rejeição da cananéia, 10)

A necessidade obriga-nos a rogar por nós mesmos, e a caridade fraterna a pedir pelos outros; mas é mais aceitável a Deus a oração recomendada pela caridade do que aquela que é motivada pela necessidade. (em Catena aurea, vol. I, pág. 354) (Homilias sobre a primeira Epístola aos Coríntios, 5, 7-8)

Na verdade, entras no coro dos anjos, és companheiro dos arcanjos e cantas junto dos serafins [...]. Não fazes oração aos homens, mas a Deus. (Homilias sobre São Mateus, 19, 3)

5. Caridade


Se a simples circunstância de serem de uma mesma cidade é suficiente para que muitos se façam amigos, como não terá de ser o amor entre nós, que temos a mesma casa, a mesma mesa, o mesmo caminho, a mesma porta, idêntica vida, idêntica cabeça, o mesmo pastor e rei e mestre e juiz e criador e Pai? (Homilias sobre São Mateus, 32, 7)

Procuremos aquelas virtudes que, além de nos darem a salvação, aproveitam principalmente ao próximo. [...] Nas coisas terrenas, ninguém vive para si mesmo. O artesão, o soldado, o lavrador, o comerciante, todos sem exceção contribuem para o bem comum e para o proveito do próximo. Por maioria de razão nas coisas espirituais, porque isto, acima de tudo, é que é viver. Aquele que vive só para si, e despreza os outros, é um ser inútil, não é um homem, não pertence à nossa linhagem.

Também nós seremos chamados a prestar contas dos mandamentos que nos foram dados, e, por mais que façamos, não teremos com que pagar. Por isso Deus nos deu um caminho chão e fácil para pagar, um meio simples de saldar toda a nossa divida: não guardar nunca rancor ao nosso próximo. (Homilias sobre São Mateus, 61, 3)

Nada nos assemelha tanto a Deus como o estarmos sempre dispostos a perdoar. (Homilias sobre São Mateus, 19, 3)

Deus a ninguém aborrece e rejeita tanto como ao homem que se lembra da injúria, ao coração endurecido, ao ânimo que conserva o ressentimento. (Homilia sobre a traição de Judas, 2, 6)

Quem é humilde é útil a si e aos outros. (Homilias sobre os Atos dos Apóstolos, 6)

6. Penitência e Conversão


O mais grave é que, encontrando-nos neste estado [de pecado], não pensamos na deformidade da nossa alma nem nos damos conta do seu aspecto horrível. Quando te sentas numa barbearia para cortar o cabelo, imediatamente tomas na mão um espelho e olhas e voltas a olhar como vai ficando o corte e perguntas aos presentes e ao próprio barbeiro se ficou bem o topete da frente. E, mesmo que já sejas um velho, muitas vezes não te envergonhas da mania de imitar a gente jovem. Mas de que a nossa alma esteja deformada, e até de que tenha assumido o aspecto de uma fera [...], nem sequer nos damos conta. No entanto, também aqui dispomos de um espelho espiritual, muito melhor e mais proveitoso que o outro, material. Este espelho não somente põe diante de nós a nossa deformidade, mas até, se o quisermos, pode transformá-la em beleza incomparável. Este espelho é a memória dos homens santos, as histórias da sua vida bem-aventurada, a lição das Escrituras, as leis que por Deus nos foram dadas. Se alguma vez decidires olhar para as imagens desses santos, não somente verás a deformidade da tua própria alma, mas, assim que a vires, não precisarás de mais nada para libertar-te dessa fealdade. Tão proveitoso é para nós esse espelho e com tal facilidade realiza a transformação. (Homilias sobre São Mateus, 4, 9)

Não são somente as feridas do corpo que produzem a morte se não forem tratadas, mas as da alma também. No entanto, chegamos a tal ponto de insensatez que cuidamos, sim, com todo o empenho, das feridas do corpo, mas não fazemos o menor caso das da alma.

No corpo, é natural que nos sobrevenham muitas doenças incuráveis; no entanto, nem por isso desesperamos e, apesar de os médicos nos dizerem e repetirem que para tal doença não há remédio nem medicamento que a faça desaparecer, insistimos uma e outra vez e lhes pedimos que pelo menos pensem em alguma coisa que a alivie. No caso da alma, porém, para a qual não existe doença incurável, pois a alma não está submetida à necessidade ou fatalidade da natureza; no caso da alma, digo, descuidamos as doenças e desesperamos da sua cura, como se se tratasse de achaques alheios. Onde a natureza das doenças poderia levar-nos a desesperar, pomos todo o nosso cuidado, como se tivéssemos mil esperanças de saúde; onde não há motivo para o desalento, desistimos e nos descuidamos, como se estivéssemos desesperados. A tal ponto atribuímos mais importância ao corpo que à alma!

Na verdade, por este caminho, nem o corpo poderemos salvar. Aquele que descuida o principal e põe todo o seu empenho no secundário, destrói e perde um e outro. Aquele que guarda a devida ordem, ao salvar e cuidar do principal, mesmo que descuide o secundário, ao salvar o primeiro salva também o segundo. É o que Cristo nos quis dar a entender quando disse: Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes aquele que pode lançar a alma e o corpo,no inferno (Mt 10,28). (Exortação 1 a Teodoro, 15)

Mais do que o próprio pecado, o que irrita e ofende a Deus é que os pecadores não sintam dor alguma dos seus pecados. (Homilias sobre São Mateus, 14, 4)

Imaginemos alguém repleto de toda a maldade, que tenha cometido todos os crimes que excluem do reino dos céus. Não o imaginemos entre aqueles que permanecem entre os infiéis a vida inteira, mas entre os fiéis, entre aqueles que primeiro agradaram a Deus, mas que depois se fizeram fornicadores, adúlteros, moles, ladrões, bêbados, invertidos, maldizentes ou blasfemos, ou cometeram outros pecados semelhantes a estes. Pois bem, nem mesmo a um pecador destes consentiria eu que desesperasse, mesmo que tivesse chegado à extrema velhice com toda essa carga de pecados. Se a ira de Deus fosse uma paixão, o pecador teria razão para desesperar de poder apagar um incêndio alimentado por ele próprio com pecados tão grandes. Mas não! A divindade é alheia à paixão e, quando castiga e se vinga, não o faz por ira, mas por sua imensa solicitude e amor. Portanto, é preciso ter bom ânimo e confiar no poder da penitência.

Não basta retirar a flecha do corpo; também é preciso curar a chaga produzida pela flecha. Coisa semelhante acontece na alma: depois de ter recebido o perdão dos pecados, tem de curar por meio da penitência a chaga que ficou. (Homilias sobre São Mateus, 3, 5)

7. Luta Interior


Mal somos atingidos por uma doença corporal, não deixamos de tentar nada, até nos vermos livres da moléstia; estando, no entanto, a nossa alma doente, às vezes, tudo são vacilações e atrasos [...]: fazemos do necessário acessório, e do acessório necessário. Deixamos aberta a fonte dos males e desejamos secar os arroios. (Homilias sobre São Mateus, 14, 3)

O que quero é pedir-vos e suplicar-vos novamente que imiteis pelo menos as crianças pequenas na escola. Estas, antes de mais nada, aprendem a forma das letras; depois começam a distinguir as cursivas, e assim, passo a passo, chegam a aprender a ler. Façamos nós o mesmo: dividindo em partes a virtude, aprendamos primeiro a não imprecar, não perjurar, não maldizer; a seguir, passando à letra seguinte, a não invejar ninguém, a não amar os corpos, a não nos entregarmos à gula e a embriaguez, a não ser cruéis, a não ser indolentes. Depois, passando às letras espirituais, estudemos a continência, a mortificação do ventre, a castidade, a justiça, o desprezo da glória; sejamos modestos, contritos de coração, e, ligando essas virtudes umas às outras, escrevamo-las na nossa alma. Podemos exercitar todas essas coisas na nossa própria casa: com os amigos, com a mulher e com os filhos. Para já, comecemos com o mais simples, como, por exemplo, não deprecar. Estudemos constantemente esta letra na nossa própria casa. Sem dúvida, não nos faltarão em casa pessoas que venham perturbar este estudo: é o escravo que vos irrita; a mulher que, com o seu mau humor, vos tira do sério; e o menino que, com as suas travessuras e rebeldias, vos faz prorromper em ameaças e imprecações. Pois bem, se em casa, aguilhoados constantemente por todos estes, conseguirdes não ser arrastados a dizer imprecações, facilmente saireis indenes também em praça pública. Mais ainda: se em casa não insultares a tua mulher nem o teu escravo nem outro qualquer, conseguirás não insultar absolutamente ninguém. É verdade que a tua mulher muitas vezes se põe a louvar fulano e a chorar como uma desgraçada, e te dá assim razões suficientes para prorromperes em maldições contra o outro. Mas tu não te irrites nem maldigas o louvado, antes suporta tudo generosamente. Se ouvires os teus escravos louvarem igualmente outros senhores, também não te perturbes, mas permanece sempre sereno. Seja a tua casa um lugar de combate e adestramento na virtude. Bem exercitado em casa, sustentarás com muita destreza os combates em praça pública. (Homilias sobre São Mateus, 11, 8)

Não há nada, por fácil que seja, que a nossa tibieza não apresente como difícil e pesado; como nada há tampouco tão difícil e penoso que o nosso fervor e determinação não o torne fácil e leve. (Tratado sobre a compunção, 1, 5)

[As tentações] servem em primeiro lugar para que percebas que agora és mais forte. Depois, para que tenhas moderação e humildade, e não te empertigues pela grandeza dos dons recebidos, porque as tentações podem muito bem reprimir o teu orgulho. Além disso, a malícia do demônio, que talvez duvide de que realmente o abandonaste, pode pela prova das tentações ter plena certeza de que te afastaste dele definitivamente. Quarto motivo: as tentações tornam-te mais forte do que o ferro mais bem temperado. Quinto: dão-te a melhor prova de como são preciosos os tesouros que te foram confiados, porque, se o diabo não tivesse visto que agora estás constituído na mais alta honra, não te atacaria. (Homilias sobre São Mateus, 13, I)

O grave não é que aquele que luta, caia, mas que permaneça caído. O grave não é ser ferido na guerra, mas desesperar-se depois de receber o golpe e não cuidar da ferida.
Um mercador não deixa de navegar por ter sofrido naufrágio certa vez e perdido a carga. Retoma ao mar e desafia as ondas e atravessa os oceanos, e acaba por recuperar a sua riqueza. E assim vemos também muitos atletas que, depois de grandes quedas, conseguiram ser coroados; e muitas vezes aconteceu que um soldado, que primeiro havia dado as costas ao inimigo, depois voltou atrás e lutou como um valente e venceu o inimigo. Muitos, por fim, que negaram a Cristo forçados pela violência dos tormentos tornaram depois ao combate e saíram deste mundo cingindo a coroa do martírio. Se cada um destes se tivesse deixado tomar pelo desalento ao primeiro golpe, não teria alcançado os bens que alcançou mais tarde. Assim também tu, querido Teodoro, não deves precipitar-te a ti mesmo no abismo só porque te afastaste um pouco do teu estado. Não. Resiste valorosamente e retoma depois ao lugar de onde saíste, e não tenhas por desonra teres um dia recebido esse golpe. Se visses um soldado que retoma ferido da guerra não o considerarias desonrado; desonra é lançar fora as armas e deixar o campo de batalha. Mas enquanto a pessoa se mantiver firme no seu posto e se empenhar em combater, mesmo que seja ferida, mesmo que tenha de retroceder alguns passos, ninguém será tão insensato nem tão inexperiente nas coisas da guerra que se atreva a lançar-lho em rosto. Não ser ferido é próprio somente daqueles que não lutam; mas aqueles que se lançam com grande ímpeto contra o inimigo, é natural que vez por outra sejam atingidos por um golpe e caiam. Isto é o que te aconteceu agora: quiseste matar a serpente de um só golpe e foste mordido por ela. Mas, anima-te; com um pouco de vigilância, não ficará o menor rasto dessa ferida e até, com a graça de Deus, conseguirás esmagar a cabeça da serpente. (Exortação 2 a Teodoro, 1)

Quando falta a nossa cooperação, cessa também a ajuda divina. (Homilias sobre São Mateus, 50, 2)

Um chefe no campo de batalha estima mais o soldado que, depois de ter fugido, volta e ataca com ardor o inimigo, que o que nunca voltou as costas, mas também nunca realizou uma ação valorosa. (Comentário à primeira Carta aos Coríntios, 3)

Para que servem umas plantas que depressa florescem e pouco depois murcham? Não, o Senhor exige dos seus uma resistência constante. (Homilias sobre São Mateus, 33, 5)

As árvores que crescem em lugares sombreados e livres de ventos, enquanto externamente se desenvolvem com aspecto viçoso, tornam-se moles e quebradiças, e qualquer coisa as fere facilmente; ao contrário, as que vivem nos cumes dos montes mais altos, agitadas por muitos e fortes ventos, sempre expostas à intempérie e às inclemências, batidas por fortes tempestades e cobertas de neves constantes, tornam-se mais robustas que o ferro. (Homilia sobre a glória na tribulação)

8. Amor à Pobreza


Como não ter por suma loucura acumular tudo lá onde o que se deposita se perde e se corrompe, e não deixar nem a mais ínfima parte ali onde há de permanecer intacto e até crescer? E onde, além disso, havemos de viver por toda a eternidade! É por isso que os gentios não crêem no que lhes dizemos, pois querem que lhes demonstremos a nossa doutrina, não pelas nossas palavras, mas pelas nossas obras. Quando nos vêem construir magníficas casas e plantar jardins e construir termas e comprar campos, não conseguem persuadir-se de que estamos a preparar a nossa viagem para outra cidade. Se assim fosse, argumentam, [os cristãos] venderiam tudo o que possuem aqui e o depositariam ali, e assim pensam em função do que costuma acontecer na vida. Com efeito, podemos observar que os grandes ricaços adquirem casas, campos e tudo o mais principalmente nas cidades onde pretendem passar a vida. Nós, porém, fazemos o contrário: a terra que havemos de abandonar dentro de pouco, matamo-nos por possuí-Ia, e por umas braças a mais, ou por umas construções, não somente entregamos o nosso dinheiro, mas até o nosso sangue; mas para comprar o céu, custa-nos imenso desprender-nos até do supérfluo, e isso quando poderíamos comprá-lo a preço muito baixo e, uma vez comprado, possuí-lo eternamente. Portanto, se ali aparecermos nus, sofreremos o suplício definitivo, e o sofreremos não apenas por causa da nossa pobreza, mas por termos empobrecido os outros. Porque, quando os pagãos vêem que aqueles que foram iniciados em tão altos mistérios põem todo o seu afã no que é terreno, também eles o abraçam com redobrado ardor, com o que não fazem senão acumular brasas sobre a nossa cabeça. Se nós, que deveríamos ensiná-los a desprezar tudo o que é visível, somos os primeiros a excitar-lhes a cobiça, como poderemos salvar-nos, réus que somos da perdição dos outros? (Homilias sobre São Mateus, 12, 5)

"Como é possível isto [fugir da tirania do dinheiro]?", dir-me-eis. Metendo no vosso coração outro amor diferente: o amor dos céus. Aquele que aspira à realeza, despreza a avareza. (Homilias sobre São Mateus, 12, 6)

Por que queres que aconteça contigo o mesmo que aconteceu com Nabucodonosor? Este levantou uma estátua a si mesmo, e da madeira, da forma insensível, esperava que lhe adviria um acréscimo de fama. O vivo queria receber novo brilho daquilo que não tem vida: compreendes o excesso da sua loucura? Porque, crendo que iria honrar-se a si mesmo, cobriu-se de ignomínia. Efetivamente, como não considerar ridículo um homem que tem mais confiança num objeto inanimado que em si mesmo e na alma viva que há nele, e por isso exalta a tal grau de preeminência a madeira e procura ser glorificado não pelos seus costumes, mas por algumas peças reunidas? É exatamente como aqueles que pretendem brilhar pelo pavimento da sua casa, ou por uma bela escadaria, ao invés de brilharem pela sua condição de homens. Nabucodonosor tem hoje muitos imitadores entre nós. Ele quis ser admirado pela sua famosa estátua; outros querem agora ser admirados pelas suas vestes, pela sua casa, pelas suas mulas, pelos seus carros, pelas colunas que sustentam os seus palácios. E, como perderam o seu ser de homens, andam de cá para lá, buscando por toda a parte uma glória que é o cúmulo do ridículo. (Homilias sobre São Mateus, 4, 10)

9. Humildade


A paz foi para o Céu. E, se quisermos, podemos fazê-la voltar. Basta que expulsemos de nós a soberba e a arrogância [...] e sejamos humildes. (Homilias sobre São Mateus, 10, 6)

[A vanglória:] Foi ela que os afastou de Deus, foi ela que os fez procurar outra arena para as suas lutas e os perdeu. Porque, como se procura agradar aos espectadores que cada qual tem, conforme forem os espectadores, tais serão os combates que se realizam. (HomiZias sobre São Mateus, 72, 2)

Com essa disposição da tua alma, com o teu amor à vanglória, mesmo que vivas num ermo, ermo estarás tu de toda a virtude. (Homilias sobre São Mateus, 20, 2)

Que te parece, dentre as coisas do mundo, mais desejável e digna de inveja? O poder, dir-me-ás sem dúvida, a riqueza e a glória entre os homens. Mas, que pode ser mais miserável do que tudo isso, se o compararmos com a liberdade do cristão? Aquele que manda está sujeito ao furor dos povos, aos impulsos irracionais da multidão, ao medo dos que por sua vez mandam nele, às preocupações dos seus subordinados. E aquele que ontem mandava, hoje é um homem privado. A vida presente em nada se diferencia de um teatro. Ali um é rei, outro general, outro ainda faz o papel de soldado raso. Chegada a tarde, nem o rei é rei, nem aquele que manda manda, nem égeneral o general. Assim, no dia do juízo, cada um receberá o que tiver merecido, não pelo papel que tiver representado, mas pelas obras que tiver realizado. Será então digna de estima a glória que cai como a flor do feno? A riqueza, cujos possuidores o Senhor maldiz? Ai de vós, ricos!, diz (Lc 6, 24). E o salmista: Ai dos que confiam no seu poder e se orgulham da multidão das suas riquezas! (SI 48, 7). O cristão, em contrapartida, nunca passa de homem que manda a homem privado, de rico a pobre, de glorioso a obscuro. Continua rico quando mendiga e é exaltado quando se esforça por humilhar-se. Não manda sobre homens, mas sobre os príncipes submetidos ao poder do príncipe das trevas deste mundo, e esse império ninguém lho pode arrebatar. (Exortação 2 a Teodoro, 3)

O que é que receias?, parece dizer-te o Senhor. Ficar rebaixado pela humildade? Olha para Mim. Considera o exemplo que Eu vos dei, e verás então, com toda a evidência, a grandeza da humildade. (Homilias sobre São Mateus, 38, 3)

Por muito que te humilhes, nunca poderás chegar tão baixo como chegou o teu Senhor. [...] Não temas, portanto, como se, ao humilhar-te, te fosse tirada a honra, pois com isso não fazes senão aumentá-la [...]. Por que ambicionas os primeiros lugares? Para ficar acima dos outros? Escolhe o último lugar, e então obterás o primeiro. Se queres ser grande, não procures ser grande, e assim serás grande. Porque o contrário disso é ser pequeno. (Homilias sobre São Mateus, 65, 4)

[Que não nos aconteça como ao navio que] realizou muitas viagens e escapou de muitas tempestades, mas no porto de chegada choca-se contra uma rocha e caem pela borda todos os tesouros que carregava; assim, todo aquele que, depois de muitos trabalhos, não repele o desejo de louvores, naufraga no próprio porto. (Homilia sobre a perfeição evangélica)

10. Eucaristia


O que os anjos contemplam tremendo, o que não se atrevem a olhar de frente, sem temor, pelo resplendor que irradia - é isso o que nos alimenta, é a isso que nos unimos estreitamente, passando a ser com Cristo um só corpo e uma só carne. (Homilias sobre São Mateus, 82)

A melhor maneira de guardar o beneficio é lembrar-se dele, tê-lo na memória e dar graças sempre. É por isso que os extraordinários mistérios, cheios da graça da salvação, que celebramos na Missa, recebem o nome de Eucaristia, quer dizer, de ação de graças, pois são o memorial de muitos benefícios de Deus, põem-nos diante da maior manifestação da sua Providência e inclinam-nos a dar graças a Deus a todo o momento. (Homilias sobre São Mateus, 25, 3)

Ao vê-lo exposto diante de ti, deverás dizer a ti próprio: por este Corpo já não sou terra nem cinza, já não sou cativo, mas livre; por ele espero o céu e todos os seus bens: a vida eterna, a sorte dos anjos, o trato familiar com Cristo. Este Corpo, atravessado com pregos, ferido com açoites, não o levou a morte: até o sol, ao ver este Corpo crucificado, desviou os seus raios; por causa dele rasgou-se então o véu, quebraram-se as pedras e toda a terra tremeu. É este aquele Corpo que foi ensangüentado, que foi ferido pela lança e que fez brotar para o mundo inteiro as fontes da salvação: uma de sangue e outra de água. Queres mais argumentos para conhecer a força deste Corpo? (Homilia sobre a primeira Epístola aos Coríntios, 24, 4)

Que desculpa tens para não dominar a tua natureza? Que pretexto aceitável podes alegar, quando de um leão fazes um homem, e tu, que és homem, consentes em converter-te em leão? [...] Considera, por favor, que também a ira é uma fera. Toda a habilidade que os outros demonstram em domar os leões, demonstra-a tu, domando-te a ti mesmo e tornando mansa e pacífica essa fera. [...] Nem um leão nem uma víbora são capazes de despedaçar as tuas entranhas como a ira, que as despedaça a cada momento com os seus dentes de ferro. Porque a ira não causa dano somente ao corpo, mas destrói também a saúde da alma, devorando, destroçando, dissipando toda a sua força e tornando-a incapaz para tudo. [...] Mas como nos livraremos desta calamidade? Bebendo uma bebida capaz de matar os vermes e as serpentes que trazemos dentro. E que bebida é essa, que tem uma virtude tão maravilhosa? Essa bebida é o precioso sangue de Cristo, desde que seja bebido com confiança. Só ela é capaz de curar todas as nossas enfermidades. (Homilias sobre São Mateus, 4, 9)

11. Castidade, Matrimônio e Família


[O matrimônio é] de um com uma e para sempre. (Homilias sobre São Mateus, 62, 1)

Se aquele que olhar uma mulher para desejá-la já cometeu com ela adultério (cfr. Mt 5, 28), quem a todo o custo se empenha em vê-Ia nua não ficará mil vezes cativo? [...] Quando se trata de preeminências, aspirais ao primeiro lugar em toda a terra, por ter sido a vossa cidade [Antioquia] a primeira que se coroou com o nome de "cristão"; mas neste combate da pureza, não vos envergonhais de ocupar um lugar inferior ao das mais rústicas aldeias! "Muito bem - respondeis-me -, que queres então que façamos? Que subamos esses montes e nos façamos monges?" Isto é o que me faz gemer, que penseis que a modéstia e a castidade convêm somente aos monges. Não, Cristo promulgou leis comuns a todos. Com efeito, quando disse: Aquele que olhar uma mulher para desejá-la, não falava com o monge, mas com o homem casado, pois desses homens estava cheio o monte sobre o qual o Senhor falava. [...] Não te proíbo de te casares nem me oponho a que te divirtas. Só quero que o faças com temperança, não com impudor, não com culpas e pecados sem conta. Não imponho como lei que vades aos montes e aos desertos, mas que sejais bons, modestos e castos, mesmo vivendo no meio das cidades. Para dizer a verdade, temos em comum com os monges todas as leis divinas, com exceção do matrimônio [...]. Permanece na tua casa com a tua mulher e os teus filhos, mas não ultrajes essa mesma mulher, não desonres os teus próprios filhos, não metas na tua casa a peste dos teatros. Não ouves Paulo que diz: O varão não tem poder sobre o seu corpo, mas a mulher? (1 Cor 7, 4). [O Apóstolo] impõe leis comuns ao homem e à mulher. Tu, no entanto, se a tua mulher freqüenta a igreja, logo a cobres de implacáveis recriminações; mas passares tu o dia inteiro no teatro, não pensas que mereça recriminação alguma. És tão exigente quanto à castidade da tua mulher que chegas ao excesso e à falta de medida, a ponto de não lhe permitires as saídas necessárias; quanto a ti, porém, pensas que tudo te está permitido. Mas não será Paulo quem to permita, pois dá à mulher o mesmo poder que a ti: Pague o homem - afirma - a honra que deve à mulher. Mas que honra é essa, quando a ultrajas da maneira mais cortante e entregas a uma prostituta o corpo que lhe pertence - porque o teu corpo pertence a ela -, quando crias em tua casa alvoroços e guerras, quando fazes em praça pública o que não podes contar na intimidade sem envergonhares a tua esposa que te ouve, sem envergonhares a tua filha que está presente, sem te envergonhares antes a ti mesmo?

Mostra à tua mulher que aprecias muito viver com ela e que por ela preferes ficar em casa a andar pela rua. Prefere-a a todos os teus amigos e mesmo aos filhos que ela te deu; ama esses filhos por amor dela [...] Fazei juntos as vossas orações [...] Aprendei o temor Deus. Todas as outras coisas fluirão daí como de uma fonte e a vossa casa se encherá de inumeráveis bens. (Homilias sobre a carta aos Efésios, 20)

Mas tu, deixando a fonte do sangue, o cálice estremecedor, vais à fonte do diabo, para ver como nada uma meretriz e como naufraga a tua própria alma. [...] Porque não imagines que, por não te haveres unido à meretriz, estás limpo de pecado. O desejo fez tudo. Se agora a paixão te domina, foste tu que acendeste mais o seu fogo; e se nenhuma impressão te produz o que viste, ainda é maior a tua culpa, porque foste pedra de escândalo para os outros e com semelhante espetáculo manchaste os teus olhos, e com os teus olhos a tua alma. Mas não nos contentemos apenas com repreender o mal; pensemos também no modo de corrigi-lo. Que modo será este? Eu quereria entregar-vos às vossas próprias mulheres para que elas vos instruam. [...] E se te envergonhas de ter uma mulher por mestra, [...] a Escritura te remete aos mais vis animais, para que aprendas com eles. [...] E o mesmo faremos nós agora. Por ora, vos entregaremos às vossas mulheres; mas, se desprezardes essas mestras, vos enviaremos à escola dos irracionais, e ali vos mostraremos quantas aves, quantos peixes, quantos quadrúpedes e serpentes são mais pudicos e castos que vós. Se te envergonhas e enrubesces com a comparação, sobe à tua própria nobreza, ao trono que por Deus te foi dado. (Homilias sobre São Mateus, 7, 6)

Porque também se pode olhar de outra maneira para uma mulher, tal como olham os homens castos. É por isso que o Senhor não proibiu de forma absoluta olhar, mas olhar com concupiscência. Se o tivesse querido, tê-lo-ia dito de maneira absoluta: "Aquele que olhar uma mulher". Na realidade, não disse isso, mas sim: Aquele que olhar uma mulher para desejá-la [...] Com efeito, Deus não nos deu os olhos para que por eles penetre o adultério na nossa alma, mas para contemplarmos as suas criaturas e por elas admirarmos o seu Criador. Ora bem, tal como uma pessoa pode irar-se sem motivo, também pode olhar sem motivo, e é o que acontece quando olha para excitar a concupiscência. Se queres olhar para teu deleite, olha para a tua mulher e ama-a continuamente: não há lei que te proíba fazê-lo. Mas se andas à busca de belezas alheias, ofendes em primeiro lugar a tua própria mulher, pois levaste os teus olhos a outra parte, e ofendes também aquela que olhaste, pois a tocaste ilegitimamente. Se não a tocaste com a mão, pelo menos fizeste-o com os olhos, e por isso o teu olhar é considerado adultério. (Homilias sobre São Mateus, 17, 3)

Como posso, pois, persuadir-me de que seja possível salvarem-se os vossos filhos, quando vejo que os incitais a fazer tudo aquilo que Cristo declarou ser impedimento absoluto para a salvação? Quando vejo que menosprezais como coisa secundária a sua alma e colocais todo o vosso afã no que verdadeiramente é secundário, como se fosse o necessário e principal? Todo o vosso empenho é que o vosso filho possa ter escravos, montar a cavalo, vestir a melhor das vestes; mas não chegais a pensar um só momento em como se fará ele mesmo melhor. Levais ao extremo a vossa preocupação por madeiras e pedras, mas não considerais a alma merecedora da menor parte desse cuidado. Estais dispostos a suportar tudo para terdes em casa uma primorosa estátua de arte e um enfeite de ouro, mas não quereis nem mesmo pôr o pensamento em fazer de ouro a mais preciosa das estátuas, a alma dos vossos filhos. (Contra os adversários da vida monástica, 3)

12. Ação Apostólica


Nada te pode fazer tão imitador de Cristo como a preocupação pelos outros. Mesmo que jejues, mesmo que durmas no chão, mesmo que, por assim dizer, te mates, se não te preocupas com o próximo, pouca coisa fizeste, ainda distas muito da imagem do Senhor. (Comentário à primeira Epístola aos Coríntios)

Cristo deixou-nos na terra para que sejamos faróis que iluminam, doutores que ensinam; para que cumpramos o nosso dever como o fermento [...]. Nem sequer seria necessário expor a doutrina se a nossa vida fosse tão radiante, nem seria necessário recorrer às palavras se as nossas obras dessem tal testemunho. Já não haveria nenhum pagão, se nos comportássemos como verdadeiros cristãos. (Homilias sobre a primeira Epístola a Timóteo, 10)

Não há nada mais frio que um cristão despreocupado da salvação alheia. Não podes aduzir como pretexto a tua pobreza econômica. Acusar-te-á a velhinha que deu as suas moedas no Templo. O próprio Pedro disse: Não tenho ouro nem prata (At 3, 6). E Paulo era tão pobre que muitas vezes passava fome e não tinha o necessário para viver. Não podes pretextar a tua origem humilde: eles também eram pessoas humildes, de condição modesta. Nem a ignorância te servirá de desculpa: todos eles eram homens sem letras. Sejas escravo ou fugitivo, podes cumprir o que depende de ti; assim foi Onésimo, e vê qual foi a sua vocação [...]. Não invoques a doença como pretexto, pois Timóteo estava submetido a freqüentes indisposições. Não digas: não posso ajudá-los, porque, se és cristão de verdade, é impossível que não o possas fazer. Não há maneira de negar as propriedades das coisas naturais; o mesmo acontece com isto que agora afirmamos, pois está na natureza do cristão agir dessa forma [...]. É mais fácil o sol deixar de iluminar ou de aquecer do que um cristão deixar de dar luz; mais fácil do que isso seria que a luz fosse trevas. Não digas que é impossível; impossível é o contrário [...]. Se orientarmos bem a nossa conduta, o resto sairá como conseqüência natural. Não se pode ocultar a luz dos cristãos, não se pode ocultar uma lâmpada que brilha tanto [00']' Cada um pode ser útil ao seu próximo, se quiser fazer o que está ao seu alcance. (Homilias sobre os Atos dos Apóstolos, 20)

A levedura, por muito pequena que seja, transforma uma grande quantidade de farinha; assim também vós convertereis o mundo inteiro [...]. Não se pode objetar: que podemos nós contra a imensa multidão dos homens? É isto precisamente o que revela o esplendor do vosso poder. Não desfaleçais [...], porque o vosso fulgor não se extinguirá, antes pelo contrário, vencereis todas as dificuldades. (Homilias sobre São Mateus, 46, 2)

A levedura faz fermentar a massa quando está perto da farinha ou, melhor, misturada com ela, pois a mulher não só pôs a levedura como, além disso, a escondeu entre a massa. Do mesmo modo tendes que fazer vós quando estiverdes misturados, identificados com as pessoas [...], como a levedura que está escondida mas não desaparece, antes pouco a pouco vai transformando a massa na sua 
 própria qualidade. (Homilias sobre São Mateus, 46, 2)

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